Morador de Boraceia foi diagnosticado com doença degenerativa há oito anos; escritor já planeja segundo livro.
Apesar da impossibilidade de falar, o que não falta para Dorivaldo Aparecido Fracaroli é comunicação. Diagnosticado há oito anos com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa que limita os movimentos, a fala e a respiração, o morador de Boraceia, de 56 anos, perdeu a fala durante um procedimento cirúrgico, o que não o impediu, aliás, impulsionou o aposentado a ‘escrever’ um livro. É piscando os olhos que ele se comunica com todos a sua volta e transmitiu letra por letra do livro: “Ipê ‘DO’ amarelo”.
A ideia de escrever o livro partiu de sua amiga e fonoaudióloga Maria José de Oliveira. “Ele estava muito triste e eu o conhecia antes dessa tristeza. Embora já tivesse o diagnóstico, ele não era triste e foi diante dessa tristeza que eu propus o livro. O primeiro intuito do livro era deixá-lo mais feliz, mais ocupado, ter alguma coisa para despertar, sair da cama e escrever o livro”, conta.
Na obra estão os fatos mais importantes da vida de Dô, como é conhecido na cidade. Segundo Maria José, são os momentos mais gostosos de se lembrar, desde o sítio onde nasceu, como conheceu a esposa, sobre o filho, os pais, até o diagnóstico da patologia e os dias atuais. “Não fazemos esclarecimentos científicos da patologia. Citamos a patologia como sendo a causadora de tudo isso, contamos a permanência nos hospitais, mas tudo em primeira pessoa, como ele vê.”
Descoberta
Há oito anos, quando a família descobriu a doença, a esposa de Dorivaldo, Valéria Fracaroli, não imaginava o que a ELA poderia acarretar na vida do marido.
“Foi muito difícil, a gente chorou muito. Eu sabia que eu não conhecia nada da ELA, só o que a médica falou. Então eu comecei de madrugada a procurar sobre a doença e comecei a conversar com pacientes, saber como seria. Vi a necessidades de informações jurídicas, de tudo”, lembra.
Mas a maior dificuldade chegou quando Dorivaldo precisou colocar uma gastro e uma traqueo e durante o procedimento acabou perdendo a fala. “Ele queria falar e eu não sabia se ele tinha dor, fome. Ele fazia movimentos com a boca, mas eu não conseguia ler os lábios e dava aquele desespero”, conta a pedagoga.
Como a vontade de se comunicar era enorme entre o casal, Valéria teve a ideia de usar uma tabela de comunicação (Veja na foto abaixo como ela funciona). “Eu pedi uma folha para a enfermeira e fiquei pensando em como me comunicar com ele. Então eu coloquei o alfabeto que eu conheço muito bem, dividi em cinco linhas. Pedi para ele "falar" o que ele mais queria perguntar. Ele foi "falando" letra por letra através das piscadas. Ele perguntou se poderia tomar banho e depois vieram outras perguntas. Quando os médicos chegaram, viram uma lousa cheia de perguntas dele”, lembra.
Valéria conta que os médicos responderam as perguntas e passaram a conversar com ele também e foi com a mesma técnica que Maria José propôs que Dorivaldo escrevesse o livro.
Novos planos
Depois de três anos escrevendo, foram publicados 500 exemplares no dia 11 de março e em pouco mais de um mês praticamente todos já foram vendidos. Maria José conta que eles não esperavam a repercussão da história. “Se ele está feliz eu estou muito mais e tudo por conta dessa história do livro”, afirma a fonoaudióloga.
Mas junto com o livro, eles descobriram algo mais importante para Dorivaldo. “A primeira intenção era deixar ele mais feliz, mas então descobrimos uma necessidade maior do Dorivaldo, que era pela comunicação. Escrever um livro piscando dá muito trabalho e essa trajetória despertou uma outra necessidade. Descobrimos um equipamento que, acoplado ao computador, ele passaria a usar o computador com o comando dos olhos. Redes sociais, pesquisas, jogos, tudo que você imaginar no computador dá a chance do Dorivaldo fazer”, conta.
Então o dinheiro da venda do livro passou a ser destinado a comprar esse equipamento que custa em média R$ 23 mil. Este não é o único plano do aposentado, que já começou as pesquisas para próximo livro, que deve contar a história da sua cidade natal.
Doença
A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurológica degenerativa que causa a morte dos neurônios motores, comprometendo a perda da função motora no corpo. Um dos sintomas iniciais é a atrofia muscular localizada, sem dor e sem perda de sensibilidade.
A doença, que tem tratamento, mas ainda não tem cura, ganhou destaque depois do desafio do balde de gelo em 2014. Milhares de pessoas participaram da campanha na internet para arrecadar doações para pesquisas. A ELA, atinge cerca de 10 mil pessoas no Brasil. O físico Stephen Hawking é o caso mais famoso da esclerose.