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Há uma semana, a aprovação do projeto de lei do Estatuto da Família em uma comissão especial na Câmara Federal causou alvoroço nas redes sociais. Entre manifestações favoráveis e críticas ao resultado da votação, algumas dúvidas ficaram no ar: afinal, o que é esse estatuto? Qual é a sua função?
O projeto de lei 6583/13, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), é um conjunto de 15 artigos que "institui o Estatuto da Família e dispõe sobre os direitos da família, e as diretrizes das políticas públicas voltadas para valorização e apoiamento à entidade familiar".
Em tramitação na Casa desde 2013, o projeto apresenta, logo no artigo 2º, a definição de família: "define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes."
A proposta está de acordo com o que diz a Constituição Federal de 1988, mas vai de encontro a uma decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro de 2011.
O art. 226 da Constituição reconhece "a união estável entre o homem e a mulher" e "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" como família. A regulamentação do artigo, sancionada em 1996, manteve os termos.
No entanto, em 2011, ministros do STF reconheceram por unanimidade a união entre pessoas do mesmo sexo como família, igualando direitos e deveres de casais heterossexuais e homossexuais.
E, em 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) regulamentou a união homoafetiva por meio de resolução que obriga os cartórios a realizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
O que mudaria?
Nelson Sussumu Shikicima, presidente da comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), esclarece que, caso o estatuto passe a valer, uniões que já foram oficializadas entre pessoas do mesmo sexo não poderão ser anuladas. Ele diz acreditar que o estatuto não deve provocar grandes mudanças, lembrando-se da decisão do STF.
Shikicima afirma não ver necessidade de se criar um Estatuto da Família. "Na verdade, deveria ter uma atualização do Direito de Família no Código Civil", sugere Shikicima. Na opinião dele, temas como a união homoafetiva e a filiação socioafetiva -- quando a criança é criada por família que não é biológica e nem adotiva -- deveriam ser incluídas no Código Civil.
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, afirma que haverá um retrocesso jurídico e social caso o estatuto seja convertido em lei.
"Se [as famílias que não se enquadram na definição de entidade familiar do estatuto] não são consideradas famílias, se estará excluindo direitos dessas pessoas --não individualmente, mas como casal--, como licença-maternidade, pensão, INSS. Isso é uma violência, um atentado contra os direitos humanos", declara.
Para ter direito à licença-maternidade atualmente, casais homoafetivos precisam travar uma árdua batalha na Justiça. Isso se deve à falta de uma legislação específica e de posicionamento dos tribunais superiores em relação ao tema.
Próximos passos
Para se tornar lei, o Estatuto da Família ainda precisa percorrer um longo caminho. A proposta foi aprovada por uma comissão especial da Câmara Federal, mas os deputados ainda precisam avaliar quatro destaques para só então a matéria ser encaminhada ao plenário da Casa. Ainda não há previsão para isso ser feito.
Se não for aprovada pela maioria no plenário, a matéria é arquivada. Caso contrário, segue para apreciação do Senado, que, se propuser mudanças, obriga a volta do estatuto para votação na Câmara.
Após ser aprovado no Senado e, se for o caso, novamente na Câmara, o projeto será analisado pela presidente Dilma Rousseff (PT), que pode sancionar e transformar em lei ou vetar a proposta parcial ou totalmente. Nos últimos dois casos, a proposta volta para o Congresso, para ser analisado em sessão conjunta entre Câmara dos Deputados e Senado Federal, que tomarão a decisão final.
Depois que se tornar lei, o estatuto ainda terá de enfrentar uma batalha no STF, que, se for provocado, vai avaliar a inconstitucionalidade da matéria já que, em 2011, o tribunal reconheceu a igualdade de direitos e deveres entre casais do mesmo sexo ou de sexos diferentes.