Grécia teria de pagar empréstimo de € 1,6 bilhão hoje ao Fundo Monetário Internacional, mas não tem dinheiro nem chegou a um acordo com credores que torne factível o pagamento
A Grécia declarou na noite desta terça-feira (30) um pequeno, mas significativo, calote. Neste dia venceu uma parcela da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo de Atenas não tem como pagar. O vencimento de hoje é irrisório, de apenas € 1,6 bilhão (R$ 5,6 bilhões) quando a dívida total dos gregos é de US$ 380 bilhões – US$ 240 bilhões obtidos por meio de empréstimos da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI.
Como todos credores já sabem da difícil situação, a nova discussão é se não viria a calhar a aceitação de uma pequeno calote nesse momento de incerteza. O FMI, bola da vez para amargar o prejuízo, disse estar desapontado. Mas, caso a dívida grega não seja momentaneamente perdoada, uma crise maior – de credibilidade e confiança no euro, a moeda que une 25 países de maneira sistêmica – pode puxar os países do bloco europeu para uma segunda etapa da crise europeia. A fase aguda desse mau momento ocorreu em 2010/2011, quando Espanha, Portugal, Itália, Irlanda, entre outros países, viveram logos meses de recessão (dois ou mais períodos de resultados negativos do Produto Interno Bruto), o que contaminou toda a Europa.
Para Rodolfo Olivo, professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), há dois caminhos para resolver esse problema de insolvência: “Os credores darem mais prazo para pagamento da dívida ou saída da zona do euro, o que pode ser muito traumático porque todo o sistema do bloco seria exposto e a capacidade financeira seria questionada, o que a Alemanha quer evitar a qualquer custo”.
Ele aponta que há questões políticas muito difíceis, pela pressão dos organismos internacionais."Para a Grécia, sair da zona do euro é muito ruim, eleva a dívida, não tem mais como ser socorrido pelos países-membros do bloco. Mas para a União Europeia também é péssimo, porque gera uma crise sem precedentes de imagem e pode colocar toda o planejamento da moeda única e um novo questionamento."
Na análise do professor, a Grécia fez a contenção das despesas num primeiro momento, mas deixou afrouxar as metas, o que fez com que os resultados da austeridade não bastassem. “Num primeiro momento, cortaram despesas, fizeram cortes de benefícios sociais, como aposentadorias e pensões, mas depois pararam de controlar o orçamento, o que resultou no fracasso em relação a diminuição do déficit público.” O déficit público grego passou de 172,5% do PIB, em 2011, para 177,1% hoje.
Olivo explica que no médio prazo, os gregos serão obrigados a aprovar as reformas impostas pelos credores, que grosso modo significa impor novos arrochos salariais, reduzir direitos dos cidadãos, aumentar idade de aposentadoria. Aceitar essas imposições deve causar um levante popular contra o governo do primeiro-ministro Alexis Tsipras, do partido de esquerda grego Syriza, venceu as eleições com uma plataforma antiausteridade, por entender que as medidas impostas pela União Europeia para pagamento da dívida pública – origem de toda a crise grega – já havia punido a população de maneira geral.
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No Brasil, o calote grego não terá influência, segundo o professor, pois a Grécia responde por menos de 0,1% da balança comercial brasileira. Já o contágio para a zona do euro, destino de 18% das exportações brasileiras, pode causar impacto.
Segundo fontes diplomáticas – antes do anúncio da intenção de Tsipras, de convocar um referendo –, se houvesse acordo e se o Parlamento grego passasse as medidas no domingo (28) ou na segunda-feira (29), seriam desbloqueados imediatamente para a Grécia 1,8 milhão de euros de lucros que o BCE fez com a dívida pública grega, a tempo de Atenas pagar o dinheiro devido ao FMI.
A proposta dos credores, ora em vigor, passa pela extensão do atual programa de resgate, com mais financiamento até novembro, mas com a reformulação das medidas de austeridade, o que reforçaria ainda mais a austeridade.
No total, poderão ir para os cofres gregos € 15,5 bilhões (R$ 54,06 bilhões) nos próximos cinco meses para que a Grécia cumpra as obrigações financeiras com o FMI e o BCE, mas a liberação desse dinheiro, em parcelas, será condicionada à execução das medidas eventualmente acordadas. No domingo, o governo grego decidiu sair da reunião com os credores por entender que não havia diálogo, apenas imposições.
"A Grécia precisa de reformas estruturais. Tem déficit muito grande, governo gasta muito e precisa direcionar para produtividade, tecnologia. Só isso pode elevar o nível de emprego da população que tem 26% de desempregados."
Em artigo no "The New York Times", Paul Krugman, Nobel de Economia de 2001 afirmou que o País não deve seguir a cartilha dos credores porque as medidas de austeridade impuseram uma dura realidade à população e não surtiram o efeito esperado, redução do déficit, melhoria dos gastos públicos.
Krugman apontou no texto três razões para que os gregos votem "não" no referendo: a primeira é que, após cinco anos de duras medidas de austeridade, "a Grécia está pior do que nunca"; a segunda, é que "o tão temido caos gerado por um Grexit [saída da Grécia da zona euro] já aconteceu, os bancos estão fechados e há controle de capital; a terceira é que "ceder ao ultimato da troika - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional (FMI), credores da Grécia – iria representar o abandono final de qualquer pretensão de independência grega".
Grécia deve anunciar calote ainda nesta terça-feira (30). Foto: Daniel Ochoa de Olza/AP - 30.6.15
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