Baseada em histórias de imigrantes que vivem em Salvador, a série foi gravada no Rio Vermelho, Santo Antônio e Ribeira
Uma casinha pequena no Morro da Sereia, no Rio Vermelho, virou cenário de programa de televisão. Dona Alice Costa, 63 anos, assistia tudo de longe. Cabos, canhões de luz, câmeras e aparelhos digitais ocuparam sua residência durante três dias em meio a muita gente entrando, saindo e gritando.
A casa de Dona Alice foi apenas uma das locações da série Destino: Salvador, produzida pela O2 Filmes e que será exibida pelo canal fechado HBO no próximo ano. Em sua terceira temporada, o seriado já passou por São Paulo e Rio de Janeiro, mostrando o olhar do estrangeiro sobre as cidades brasileiras.
O episódio com a personagem lituana foi gravado na Praia da Paciência, no Rio Vermelho
(Foto: Marcus Carvalho/Divulgação) |
Em Salvador, foram gravadas seis histórias de personagens nascidos na Lituânia, Moçambique, Portugal, Alemanha, Colômbia e França. Uma coisa em comum: todos os atores, na verdade, não são atores.
“Isso é sempre muito interessante. O mais forte da série é essa contribuição da cultura desses imigrantes”, explica o diretor geral Fábio Mendonça. Ele divide a direção dos episódios com Luciano Moura e Nando Olival.
Gringos
Para Fábio, a cara e o jeito de “gringo” garantem a veracidade das narrativas. “É muito melhor do que um brasileiro interpretar um africano, por exemplo. Porque ele não tem essa bagagem cultural, mesmo que isso não seja a fonte principal dos episódios.
Fábio Mendonça, que faz a direção, destaca particularidades baianas
(Foto: Divulgação) |
Para selecionar os protagonistas, a equipe fez uma verdadeira caçada. Primeiro, foi feito uma pesquisa com estrangeiros que moram por aqui. Em seguida, a partir dessas histórias, foram criados os roteiros de cada capítulo. E só depois a equipe procurou as pessoas que interpretariam os personagens. Missão trabalhosa, mas nada complicada em uma cidade com mais de cinco mil imigrantes, de acordo com o Censo de 2010. “A gente teve uma certa dificuldade, mas encontrou todos”, diz o diretor.
Depois, foi a vez de preparar essas pessoas para atuar. A primeira etapa foi uma peneira para descobrir quem tinha aptidão. Depois, os escolhidos para cada papel fizeram workshop de atuação com o preparador de atores Chris Duvoort, durante cinco dias.
Depois, ainda teve mais cinco dias dos ensaios de casa cena. “E, mesmo com tudo isso, algumas pessoas respondem bem fazendo as falas, decorando. Já outros só funcionam se for na mesma brincadeira do improviso”, recorda.
Personagens
O cabo-verdiano Gilberto Alves, 42, foi um dos selecionados. Na série, ele interpreta o pastor Gulano, pai da protagonista do episódio africano. “Eu nunca tinha atuado e na hora achei meio estranho. Mas tem sido uma experiência boa, porque é uma coisa nova, que não estava nos meus planos”, explica.
A angolana Jasminy Januarioh, 26, também está encantada com a nova profissão. “Eu não tinha noção do que é ser atriz. Achava que era só chegar lá e ler as falas. Só quando a gente chega aqui que vê que é outra vivência, que é muito trabalho”, afirma.
O diretor Luciano Moura acompanha o ensaio antes das gravações com os atores Gilberto Alves, de Cabo Verde, e Jaminy Janiarioh, da Angola (Foto: Divulgação)
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Ela interpreta a mocinha Noa, também no episódio africano. Como Salvador não tem bairros característicos de determinadas nacionalidades, a equipe buscou na cultura baiana referências que se assemelham às de outros países.
“No caso da história da lituana, que veio do leste europeu, eu fugi das construções coloniais. Filmei em um prédio lá no Jardim Baiano em forma de ‘s’, em um local cheio de prediozinhos do mesmo tamanho, um pouco mais lituano, por assim dizer”, analisa.
Para a narrativa francesa, o set foi um casarão no Santo Antônio. “Tem a ver com essa coisa francesa dos detalhes rebuscados”, diz. Já para a história do português, Fábio escolheu a Ribeira. “Acho um lugar meio esquecido em Salvador. E nos deu essa atmosfera desse português, o primeiro que chegou e que depois ficou meio paradão no tempo”, aponta.
O Morro da Sereia abrigou uma das histórias mais fortes: uma espécie de Romeu e Julieta com pegada religiosa. De um lado, o Romeu baiano Bala, sobrinho de um babalorixá; e do outro a Julieta moçambicana Noa, filha de um pastor batista.
“Tinha que ser um lugarzinho isolado, como se fosse uma vila europeia mesmo. E o Morro da Sereia é um apêndice cravado na cidade, com uma organização toda particular”.
O particular, aliás, é para Fábio o diferencial da capital baiana. “Em São Paulo, a gente encontra coisas do mundo inteiro o tempo todo, mas não encontra o particular. No Rio encontra uma coisa ou outra do que é o particular de lá. Aqui não, aqui é o tempo todo descobrindo coisas. Desde as construções, essa quantidade de igrejas, a religião, tudo aqui é incrível”, exalta.
Episódio extra mostra olhar da equipe da série sobre Salvador
A terceira temporada da série Destino terá uma novidade. A produção gravou um episódio extra, o documentário O Destino de Todos os Destinos. A última parte do programa mostra a capital baiana do ponto de vista da equipe do projeto através de imagens, depoimentos do elenco e dos técnicos envolvidos.
“Isso não teve nas duas temporadas anteriores, mas a gente achou legal fazer nessa. Esse documentário veio, justamente, da ideia de contar um pouco essa experiência de um estrangeiro ser convidado a fazer parte de uma série da HBO”, explica Fábio Mendonça.
Já Luciano Moura destaca que o encerramento da série também permite que eles, paulistanos, mostrem seus olhares forasteiros. “Nós também somos de fora e é legal poder mostrar o que nos chamou atenção na cidade”, diz. Para ele, Salvador encanta pelas peculiaridades.
“A cidade tem uma diversidade de lugares, tem uma forma de atuar muito própria que é muito local. E essa é a nossa missão, mostrar que cada lugar é um lugar muito próprio”, aponta.
Fábio completa: “Em São Paulo, as pessoas vão em busca de trabalho. No Rio, vão muito por ser a cidade maravilhosa, essa coisa mítica. Mas aqui é a questão cultural. Acho que o estrangeiro que fica aqui se apaixona pela coisa mais legal que tem aqui, que é a cultura, que passa pela música, comida, roupas, jeito de falar...”