Para muitos, ir à academia pela primeira vez é um esforço enorme. A estudante Carolina Sales, 21 anos, era uma dessas pessoas, mas tomou uma decisão, de supetão, para vencer o sedentarismo. “Paguei a academia e comecei a ir. Não tinha roupa, não tinha tênis. Fui de ‘sapatênis’ mesmo”, conta, rindo da loucura. Foi quando lembrou que a amiga tinha um site que realiza aluguel de produtos e resolveu locar um tênis de corrida. “Eu não tinha tempo para ir comprar. Adorei o tênis, era novinho. A menina comprou para ir à academia, mas só foi uma semana”, explica Carolina, que pagou R$ 30 por um mês de uso.
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A turma que toca o Talugo.com: Lucas Bittencourt, Paula Morais (CEO e fundadora), João Oliveira (fundador), Tarcísio Barbosa e Marcos Fonseca (Foto: Talugo / Divulgação)
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A jovem está entre os 3.200 usuários do Talugo (www.talugo.com), site que permite o aluguel de qualquer tipo de material ou produto. Mas o Talugo não possui um estoque. O que ele faz é possibilitar o contato entre quem deseja alugar algo e quem tem aquilo para alugar. Carolina, por exemplo, entrou no site e disse que precisava de um tênis de corrida por um mês. “No dia seguinte, me deram três opções, dizendo a marca e a cor. Depois que escolhi, deixaram lá em casa”, relata.
Conceito
A fundadora do site, Paula Morais, conta como teve a ideia de criar a ferramenta. “Percebi uma incoerência: não via necessidade de comprar muitas coisas que eu utilizava. Daí, surgiu o Talugo, para que as pessoas tivessem acesso aos produtos, sem precisar ter a propriedade”, afirma a jovem, 21 anos, que cursa Administração na Universidade Federal da Bahia (Ufba). A empresa ganha 15% do valor pago por cada aluguel.
Assim como o Talugo, diversas empresas já utilizam o modelo do acesso em vez da propriedade dos bens. Algumas são bastante conhecidas pelos brasileiros, como Netflix e Spotify, que estão acabando com a necessidade de possuir filmes e músicas – mesmo em arquivos digitais. Elas fazem parte da chamada economia compartilhada, em que a máxima é compartilhar recursos ou redistribuir bens e serviços que não estão sendo utilizados. No caso dos serviços de streaming citados, um único arquivo digital é compartilhado para milhões de usuários.
Outros exemplos famosos são o Airbnb, que permite a alguém alugar aquele quarto vago; e o Uber, que transforma qualquer um em taxista, cobrando por viagens pela cidade. “Você não precisa da furadeira, você precisa do buraco”, provocou, em uma palestra na Austrália, Rachel Botsman, que cunhou o termo “consumo colaborativo”.
Foi exatamente de uma furadeira que Fábio Sales, 25, precisou, dia desses. “Tenho um estande no aeroporto e precisei desmontá-lo. Entrei em contato com o Talugo e em menos de 40 minutos resolveram meu problema”, conta o jovem empresário, que possui algumas lojas de uma franquia de acarajé congelado. Ele pagou R$ 24 para alugar por um dia. “A furadeira custaria uns R$ 300 e não seria muito utilizada”, analisa.
A máquina que Fábio alugou é um dos 3.800 produtos já cadastrados no site, que por enquanto opera apenas na capital. “Salvador não é tão receptiva a esse tipo de conceito inovador. Mas se conseguimos aqui, conseguiremos em qualquer lugar”, espera Paula, que além de fundadora é CEO da empresa que abriu as portas em março deste ano. Uma expansão já está sendo planejada pela equipe, que tem ainda outro fundador e mais três funcionários.
Diferencial
O Talugo não é o único site que permite aluguel de produtos entre pessoas. Há outros maiores e mais antigos. “Nosso principal diferencial é que quem indica o preço é quem precisa do item”, explica a CEO. “Ele quem diz o quanto está disposto a pagar, o quanto cabe no orçamento dele”, complementa a jovem, que já pensa em levar o serviço para outras cidades. “A gente pretende, em três meses, criar uma grande massa em Salvador para, no início do ano que vem, expandir para outras cidades. Começaremos por São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Rio de Janeiro”, afirma ela.
O outro fundador, João Oliveira, aponta outra diferença frente aos concorrentes. “Nos outros sites, alguém cadastra o produto que tem e outras pessoas procuram. No Talugo, você diz o que quer e a gente se vira para achar. Então, não tem limites. Tentamos atender a qualquer pedido”, garante.
Estudante de Sistemas de Informação, João tem apenas 20 anos, mas longo currículo como empreendedor. Começou desenvolvendo sites aos 13 anos. Aos 16, abriu sua primeira empresa, que acabou se tornando a maior loja virtual do estado de Rondônia, onde nasceu.
Esse diferencial do Talugo fez com que diversos objetos inusitados fossem alugados no site. Dois deles – um tatame e um tapete vermelho – foram locados pela estudante Juliana Junqueira, 23. Ela promove, anualmente, um evento de dança infantil que reúne 500 crianças, de 20 escolas de dança de Salvador.
“É um evento lúdico, em que a gente tenta trazer inovações para a dança, para que ela saia do palco”, define a moça, sem esquecer de explicar o motivo da procura pelo tapete vermelho, tradicional nas premiações do cinema: “Pensamos em colocar as crianças sentadas em um local mais confortável, por isso o tatame. E queríamos que elas se sentissem verdadeiras estrelas, por isso o tapete vermelho”.
Juliana conta ainda que, se não fosse o Talugo, ela não conseguiria realizar o evento como planejava. “Não são coisas que normalmente se acham em empresas que alugam materiais para eventos. São difíceis de conseguir. Mas eles conseguiram e levaram em meu evento”, comemora.João Oliveira comenta como os clientes ajudam a definir o caminho da empresa. “Quando começamos a efetuar os aluguéis, o feedback começou a chegar e foi sensacional. Muita gente agradece por ter conseguido os produtos. É uma indicação de que estamos no caminho certo”, considera o jovem empreendedor.
Principal preocupação é com segurança do produto
Algo que preocupa bastante as pessoas ao usar serviços como o Talugo é a segurança. Como garantir que receberei o produto? E se alguém sumir com minhas coisas? E se não me pagarem? São questões válidas que, se não forem respondidas, podem afastar os usuários. Na economia compartilhada, uma parte da segurança é baseada na reputação pessoal, de qual maneira aquele usuário é avaliado por seus pares e a clientela em geral.
Sites que começaram como venda de produtos usados, como o brasileiro Mercado Livre e o americano eBay, utilizam esse sistema há anos. “Existem avaliações do usuário e de cada operação de aluguel. Não cabe a você se queimar”, afirma Paula Morais, CEO da empresa que intermedeia aluguéis de materiais.
Se mesmo assim alguém quiser “se queimar”, o Talugo toma precauções jurídicas. “Temos um contrato de locação entre as partes, em que o talugatário (quem paga para usar o serviço) é responsável pelo produto”, explica Paula. Ela conta que já houve um caso em que o locatário teve o produto roubado. “Foi resolvido de forma tranquila: ele pagou o (valor do) produto. Era algo que tínhamos medo quando abrimos a empresa, mas, na prática, não acontece”, diz.
Por fim, se tudo der errado, o site cobre as despesas. “Você que aluga seu produto, fala quanto você pagou. Se houver algum problema, nós nos responsabilizamos, pagamos o preço que você pagou”, garante João Oliveira. Para o usuário, há a segurança de que o dinheiro do aluguel só é pago à outra parte após a devolução do produto. Se não enviarem o produto, não recebem o dinheiro.
A estudante de Engenharia Civil Gabriela Almeida, 21, já alugou sua caixa de som três vezes e garante que é tudo muito seguro. “Tem contrato, é tudo certinho. Eles (a equipe do Talugo) ficam o tempo todo em contato. Depois que o produto retorna, você confere e avisa a eles”, detalha a estudante.
Gabriela é uma das muitas talugadoras de caixa de som, tipo de produto que mais é locado no site. “A caixa ficava parada em casa, eu nem sabia como reaproveitar. Ela tem um bom porte, foi alugada para festas”, explica. Ao todo, a caixa de Gabriela foi alugada por oito dias, gerando uma receita de praticamente metade do valor do produto, R$ 400. “Minha família está amando. Eles vão colocar outras coisas para alugar”, afirma, empolgada.
O produto mais caro já alugado através do Talugo, até aqui, foi uma certificadora de cabo de rede, que ficou com o talugatário por uma semana. O valor pago foi de R$ 6 mil. A quantia dá uma ideia do potencial de movimentação financeira do site, mas também, do aumento da responsabilidade com cada um dos materiais alugados.
Economia compartilhada revoluciona consumo
Comprar, só o que é essencial. Quando possível, alugar, pegar emprestado. Em meio à crise financeira que teve início em 2008, aliado a novas possibilidades tecnológicas, outro padrão de consumo ganhou força. Denominado “economia compartilhada”, o termo ainda não é consenso, mas a ideia tem revolucionado a cultura da propriedade.
O coordenador de Comércio e Serviços do Sebrae-BA, Ítalo Guanais, explica que essa tendência é, na verdade, um retorno a padrões de consumo antigos. “Relações de troca sempre ocorreram. Em nossas primeiras relações de consumo, você não tinha moeda, era o escambo. A grande diferença é que esses modelos ganharam escala, impulsionados pela tecnologia”, destaca.
Guanais também chama a atenção para os conflitos que novos atores podem provocar no mercado. “Faltam leis que regulamentam esse processo, pois mudam relações de consumo. O lançamento do Uber exemplifica isso. A profissão tradicional fica em desvantagem competitiva. Taxistas pagam alvará de funcionamento e precisam atender a uma série de pré-requisitos”, diz, lembrando dos protestos contra o aplicativo.
Apesar dos conflitos, a economia compartilhada já mostrou que só tende a crescer nos próximos anos. Segundo a firma britânica PwC, o setor deve movimentar US$ 335 bilhões em 2025 – há dois anos, foram US$ 15 bi. Ainda conforme a PwC, a previsão para o setor tradicional de aluguéis é, também, de US$ 335 bi, em 2025. Evolução bem mais modesta em relação a 2013, quando movimentou US$ 240 bi.