Amplamente divulgado na web, o importantíssimo achado da Arca de Noé no Monte Ararat por historiadores chineses reforçaria textos da Bíblia, mas será verdade mesmo?
A notícia vem acompanhada de fotos e mostra a descoberta de um grupo de historiadores da China: A Arca de Noé. Sim! Aquela mesma Arca citada na Bíblia, que teria sido construída por Noé para salvar um casal de cada espécie (e mais alguns humanos) de um dilúvio que teria inundado todo o planeta!
Os diversos sites e blogs que divulgaram a matéria citam como fonte uma publicação do jornal Correio da Manhã e afirmam que exploradores/historiadores teriam encontrado um enorme objeto de madeira, preso na montanha (que fica na fronteira com o Irã), e têm 99,9% de certeza de que aquilo seja mesmo a Arca do Dilúvio.
O texto ainda afirma que o governo turco irá pedir às Nações Unidas para que o local onde a Arca teria sido encontrada se transforme em patrimônio mundial da UNESCO.
Dá uma olhada no vídeo abaixo e descubra se isso é verdadeiro ou falso!
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Verdadeiro ou falso?
A notícia não é nova. Apesar de estar sendo espalhado pela web no final de setembro de 2013, o texto do suposto achado roda por aí desde 2010! Como a história não está datada, pode voltar a circular novamente nos próximos anos.
A matéria que serviu de fonte para a volta dessa “descoberta incrível” foi publicada, de fato, pelo jornal português Correio da Manhã no dia 27 de abril de 2010. Escrita por Izabel Chaves, a pequena nota se baseia em um artigo do jornal espanhol 20 Minutos, que se baseou em uma reportagem feita pela agência de notícias turca Anadolu Ajansi.
Vários outros veículos de notícias online acabaram embarcando na história, dentre eles a renomada Fox News, que acabou por publicar também uma matéria sobre o tal achado.
No entanto, três dias depois, a Fox News publicou outra reportagem onde explicou que a história da Arca de Noé que teria sido encontrada no Monte Ararat era falsa!
De acordo com a repórter Lauren Green (que é correspondente da Fox em Nova York para assuntos relacionados à religião), vários especialistas analisaram as fotografias e determinaram que:
- As madeiras mostradas nas fotos não aparentam tão velhas o suficiente
- Não existem imagens que provem a localização da tal arca para que pudessem verificar o local
- Nenhum perito independente teve acesso aos dados
- Nunca houve evidências de que houve, de fato, uma grande inundação no planeta.
Em entrevista à Lauren Green, o Dr. Randall Price – diretor de Estudos Judaicos da Universidade Liberty – explicou que fazia parte da equipe que tentava encontrar a Arca de Noé até 2008, quando saiu, percebendo que seu projeto estava, na verdade, sendo aproveitado por guias curdos, que transformaram a busca da arca em uma indústria.
Como podemos ler em uma carta escrita pelo doutor Price a um de seus alunos, ele e mais alguns parceiros haviam investido cerca de U$100mil na expedição, mas percebeu que estava sendo enganado quando viu as fotos e filmagens do local onde teriam achado a Arca de Noé (que, segundo ele, foram tiradas em algum local próximo ao Mar Vermelho, bem longe do Ararat). Podemos ler um trecho da carta abaixo:
“[…] No final do verão de 2008, dez trabalhadores curdos contratados por Parasut, o guia usados pelos chineses, afirmaram terem plantado grandes vigas de madeira retiradas de uma estrutura antiga na área do Mar Negro (onde as fotos foram originalmente tiradas) no Monte. Local Ararat. […] Durante o verão de 2009, mais madeira foi plantada no interior de uma caverna no local. A equipe chinesa foi lá no final do verão de 2009 (eu estava lá no momento e sabia sobre a fraude) e fez seu filme mostrando a caverna com a madeira [colocada lá anteriormente]. Como eu disse, eu tenho as fotos do interior da chamada Arca (que mostram teias de aranha nos cantos de vigas – algo simplesmente impossível nessas condições) e nosso sócio curdo em Dogubabyazit (a aldeia no sopé do Monte. Ararat) tem todos os fatos sobre o local, dos homens que plantaram a madeira e até mesmo do caminhão que a transportou.”
Lauren Green e a matéria da Fox News
Voltando à matéria da Fox News, Lauren Green também ouviu o Dr. John Morris, que é diretor de arqueologia no Institute for Creation Research e liderou 13 expedições ao monte Ararat. “Na melhor das hipóteses, é uma fraude bem elaborada […] Estou inclinado a acreditar que o povo chinês foi enganado.“, diz ele.
Aliás, Morris disse também que foi convidado pela equipe chinesa para participar de um evento para a imprensa, mas se recusou devido a pouca evidência que tinha nas mãos.
Na matéria escrita por Ker Than para a National Geographic, também são levantadas outras questões como, por exemplo, se a madeira está com mais de 4.000 anos (os historiadores chineses afirmaram que a medição por carbono-14 confirmou que as madeiras possuem cerca de 4.800 anos de idade) não deveria estar em tão boas condições como as mostradas nas fotos.
Se considerarmos a data que teria ocorrido o dilúvio, que é por volta de 4.800 anos atrás, conforme acreditam os criacionistas, a madeira deveria ser mais velha do que isso.
Além do mais, se nos basearmos no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, não há nada que prove em qual monte a embarcação de Noé teria aportado após o término do dilúvio. “[…] a Bíblia diz que a arca pousou em algum lugar chamado Urartu (um antigo reino localizado a leste da Turquia), mas foi só depois de muitos anos [depois do século X] que as pessoas começaram a identificar o Monte Ararat como o Urartu [citado na Bíblia]“, disse Jack Sasson, professor de estudos bíblicos da Universidade de Vanderbilt, no Tennessee.
É Improvável encontrarem a Arca de Noé
Muitos céticos afirmam que é impossível que encontremos a tal Arca de Noé no Monte Ararat (caso ela tenha existido de verdade) por vários motivos. Dentre eles podemos questionar que:
- O monte Ararat é um vulcão pós-dilúvio. A Arca não poderia ter pousado nele porque ele ainda não existia na época do final do Dilúvio, e mesmo que o fizesse depois disso, teria sido destruída pelas muitas erupções do Ararat
- Se pararmos para pensar que os sobreviventes do Dilúvio, após saírem da Arca para recomeçar o mundo (que havia acabado de ser devastado), a Arca provavelmente teria sido a melhor fonte de madeira para a primeira década da nova humanidade. Seria bem plausível acreditar que a Arca teria sido desmontada para abastecer a crescente população com material de construção para abrigo, fogueiras etc.
Nesse link, o pastor da Igreja Batista Dr. Max D. Younce faz uns cálculos a respeito da Arca de Noé e, – segundo ele – se tomarmos a história do dilúvio descrita na Bíblia ao pé da letra, Noé teria que ter construído mais outras 21 arcas só para carregar a alimentação da tripulação.
Patrimônio da UNESCO
O texto que circula pela web também afirma que o governo turco iria pedir às Nações Unidas para transformar o local da descoberta em patrimônio da UNESCO. No entanto, em resposta à National Geographic, o porta-voz da UNESCO Roni Amelan explica que não recebeu nenhum pedido oficial da Turquia para inserção da Arca de Noé para a lista.
O Dilúvio existiu?
A inundação catastrófica citada na Bíblia que teria acabado com toda a vida na Terra é também presente em muitas culturas antigas (algumas até anteriores ao Antigo Testamento): Sumérios, gregos, hindus, babilônicos, escandinavos, gauleses e até entre os chineses. No entanto, apesar do Dilúvio ser citado há tantos milênios e em tantos povos diferentes, os arqueólogos ainda não encontraram nenhuma evidência de que isso tenha realmente acontecido.
Falsas descobertas
A farsa do achado da Arca de Noé criada pelos exploradores chineses não foi a primeira e nem será a última desse tipo. Em 1993, por exemplo, o documentário “A Incrível Descoberta da Arca de Noé” foi ao ar pela rede de TV CBS mostrando que a humanidade finalmente teria encontrado a bendita arca. Naquele mesmo ano, George Jammal, uma das supostas testemunhas oculares da expedição, assumiu ao jornal Long Beach Press que o documentário era mesmo uma fraude.
Na versão em inglês do Wikipédia podemos ler outros embustes elaborados em diversas datas, desde 1917 a 1993. Sabemos que a Wikipédia não é uma fonte confiável, mas todos os casos citados no artigo possuem links para matérias de jornais e de livros que comprovam as falsas descobertas da Arca de Noé.
Conclusão
A descoberta da Arca de Noé por exploradores chineses é farsa! A invenção da descoberta foi criada apenas para aumentar o interesse no turismo local.