Professores convivem com medo e tiroteios para dar aulas em favelas
'Não pode passar o desespero', diz professora ouvida pelo G1.
Erro no caminho para escola deixou docente em beco com criminosos.
Em sua rotina de trabalho, além de lecionar, professores que atuam na Região Metropolitana do Rio têm que aprender a lidar com barreiras impostas pela violência nas comunidades: da presença de homens armados e "olheiros" do tráfico, a operações policiais que culminam em tiroteios. Em homenagem ao Dia do Professor, 15 de outubro, o G1 ouviu docentes de escolas públicas e ONGs, que contam como a violência prejudica a educação jovens de áreas carentes e como se desdobram para dar um futuro melhor aos alunos.
“Quando tinha operação [policial], a gente parava a aula. Porque tinha tiro e tínhamos que controlar as crianças. Não pode passar o desespero. Por mais que elas sejam crianças que vivam na área, elas nunca acostumam com isso. Tem que ter calma. A gente tinha que ir para o corredor”, explicou Joana*, professora que trabalhou por mais de 15 anos em Cieps perto das comunidades de Antares, em Santa Cruz, na Zona Oeste; e no Borel, na Tijuca, Zona Norte.
Assim como Joana, profissionais de educação de todo o Rio de Janeiro enfrentam em escolas estaduais e municipais do Rio uma rotina na qual a missão de oferecer uma boa educação está misturada a situações de risco, condições precárias de trabalho, famílias desestruturadas, salários baixos e pouco reconhecimento.
Professores de ONGs que atuam nessas áreas contam com condições um pouco melhores que seus colegas que trabalham no serviço público, mas também enfrentam desafios semelhantes na hora de oferecer uma boa educação. Todos só aceitaram falar ao G1 sob a condição de anonimato, por temerem retaliações(*os nomes escritos na reportagem são fictícios).
Amanda*, que dá aula de dança em uma ONG que atende crianças do Morro da Formiga e do Borel, na Tijuca, conta que observou outro efeito: alunos que acabam ficando anestesiados em relação ao ambiente.
“Eu estava dando aula e começaram os tiros, mas era muito alto, parecia dentro da ONG. As crianças não reagiram, continuaram a aula. Até fiquei olhando ao redor, para ver se elas reagiriam, falariam alguma coisa, mas ninguém falou nada. Eu acabei seguindo com a aula como se nada estivesse acontecendo. Eu tive que engolir um lado meu, foi desesperador para mim”, destacou Amanda.
Tráfico ao redor
Sílvia*, que leciona na região da Vila Aliança, na Zona Oeste, conta que as aulas da escola onde trabalha já foram suspensas algumas vezes por conta de ações na comunidade. “Quando o ‘caveirão’ entra na comunidade, a frequência dos alunos passa a ser muito baixa”.
Sílvia*, que leciona na região da Vila Aliança, na Zona Oeste, conta que as aulas da escola onde trabalha já foram suspensas algumas vezes por conta de ações na comunidade. “Quando o ‘caveirão’ entra na comunidade, a frequência dos alunos passa a ser muito baixa”.
Ela revela que, por causa de um desencontro, já esteve diante de criminosos armados. “A gente recebeu uma mensagem da direção para não ir, porque a escola não ia abrir por conta de uma operação. Só que eu estava no percurso e não vi. Quando cheguei diante do portão, vi duas motos com dois homens em cada uma delas portando um fuzil. Eles começaram a gritar: ‘Vaza! Vaza! Vaza!’,” contou Sílvia.
Madalena*, que também trabalhou em uma escola em uma comunidade em Santa Cruz na década de 90, conta que sempre foi respeitada pelos moradores da comunidade, mas já chegou a ver o tráfico de drogas ao redor da escola e “olheiros” dentro da instituição de ensino.
“A gente via pessoas passando por cima do muro com o rosto coberto, para observar quem estava dentro da escola e o que estava acontecendo. Mas a gente trabalhava assim mesmo. Eu andei dentro da comunidade, caminhávamos, e nunca aconteceu nada”, pondera Madalena.
Para a professora, que se aposentou recentemente e já trabalhou em diversas escolas em vários pontos do Rio, o aspecto mais chocante não era a violência, mas a falta de atenção do poder público com as instalações.
“Quando você estava dentro da comunidade, você se sentia parte dela. Mas as instalações eram péssimas, com coisas quebradas e paredes pichadas. Nas escolas da Zona Sul que eram fora da favela eram preservadas e limpas, o refeitório era organizado, mas nas comunidades era tudo feio e degradado. Tinha banheiro quebrado”, contou Madalena, destacando que as portas de uma das escolas nas quais lecionou não tinha chave, mas apenas buracos com correntes e cadeados.
Não há uma estimativa feita pelas secretarias municipal e estadual de educação sobre quantos profissionais trabalham nas unidades que ficam nas favelas da capital do RJ e em seus arredores.
A rede municipal de educação na cidade do Rio de Janeiro conta com 41 mil profissionais. A média dos salários, de acordo com o próprio órgão, é de R$ 5.452,71 para a carga horária de 40 horas semanais, somando os benefícios como vale-transporte, vale-alimentação e vale-cultura.
A rede estadual conta com 69.688 profissionais em todo o RJ. O salário inicial para o profissional que trabalha 30h é de R$ 2.211,25, para os que trabalham 16 horas é de R$ 1.179,35 e de R$ 2.948,33 para os que trabalham 40 horas na semana. Os benefícios oferecidos pela rede estadual são de auxílio-transporte com valor entre R$ 66 e R$ 132 e auxílio-alimentação no valor de R$ 160.
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