ASMR cresce na internet com estalos e sussurros que relaxam e causam arrepios, segundo adeptos. Neurologista diz que não há provas sobre resultados, mas não vê contraindicações.
Em um vídeo com mais de 260 mil visualizações no YouTube, Mariane Carolina Rossi promete ajudar o espectador a encontrar seu arrepio favorito. Por 23 minutos, ela bate as grandes unhas em diferentes superfícies, faz estalos com a boca, amassa embalagens de plástico e acaricia a tela. Enquanto isso, sussurra explicações sobre as sensações que cada um desses barulhinhos é capaz de causar.
A moça de 23 anos, que mora em Itapira (MG), é dona do maior canal brasileiro de ASMR - sigla para Autonomous Sensory Meridian Response (resposta sensorial autônoma do meridiano, na tradução para o português). A 218 mil seguidores, ela faz estímulos visuais e auditivos na tentativa de ajudá-los a relaxar e até a pegar no sono. Pode parecer estranho, mas muitos dos que assistem juram conseguir. Especialistas não veem contraindicações (leia mais abaixo).
“Tinha insônia três anos atrás. Depois de conhecer o ASMR, nunca mais tive problemas para dormir.”
O relato acima é da maquiadora Angelica Van Dall, 24. Ela assiste a vídeos do tipo quase todos os dias e conta que os sons geralmente lhe causam um arrepio que vai do couro cabeludo até a coluna. "Já conhecia essa sensação, mas não sabia que havia um nome para isso, nem vídeos específicos [para provocá-la]", diz. "Tenho transtorno de ansiedade. Percebi, depois que conheci o ASMR, que ele me ajuda a controlar e evitar crises."
Não se sabe ao certo quem inventou a sigla, apenas que ela nasceu na internet, onde uma subcultura do ASMR cresce desde 2010. Uma busca pelas letras no YouTube gera aproximadamente 7,5 milhões de resultados. Apesar disso, há pouco material científico sobre as técnicas.
Um dos únicos estudos realizados até agora foi publicado em 2015 por Emma Barratt, estudante da universidade britânica de Swansea, e Nick Davis, então professor da mesma instituição. Na pesquisa com 500 consumidores de ASMR, 63% relataram sensação de formigamento com origem clara em alguma região do corpo, enquanto 27% disseram que a origem variou. O estudo concluiu ainda que os sussurros funcionaram para a maioria das pessoas (75%), seguidos de cenas que envolvem alguma atenção pessoal (69%).
Fábrica de sensações
"Os vídeos provocam reflexos, como quando alguém te toca, e você sente arrepio. Você vê, por exemplo, alguém mexer na tela da câmera, como se fosse no seu rosto, e isso pode causar um bem estar. Mas também tem gente que não sente nada", explica Mariane Carolina. Formada em enfermagem, ela passou a publicar vídeos de ASMR em seu canal, o Sweet Carol, há dois anos, a pedido dos seguidores. Hoje, sustenta-se apenas com o trabalho na internet, mas não revela o faturamento mensal.
Nesse tempo, foi comissária de bordo, farmacêutica e esteticista, entre outros personagens. Ela assume os papéis para contextualizar os estimulos em diferentes situações, e acredita que isso ajuda os espectadores a relaxarem. Seja fingindo retirar a maquiagem de quem a assiste, abrindo embalagens de chocolate ou movimentando as mãos sob luz negra, a youtuber fala baixinho e calcula cada movimento para provocar "cócegas no cérebro" e "dar soninho" em seus seguidores.
Os relatos de pessoas que dizem ter encontrado nos vídeos uma fonte de paz chegam todos dias, segundo Carol. "Um dos que mais me marcou foi o de uma pessoa que tinha sofrido um acidente de moto e assistia aos vídeos para aliviar a dor", lembra. Ela também procura atender pedidos:
"Um dos meus seguidores, de 12 anos, me pediu um vídeo com temática materna porque tinha perdido a mãe e queria sentir a presença dela de novo."
Muitos dos consumidores de ASMR dizem se sentir próximos de quem faz os vídeos. "Em um primeiro momento, há um estranhamento. Você não dá muita credibilidade porque não é comum ver alguém fazendo sons com a boca e sussurrando por ai. Mas, depois que você escuta os primeiros minutos, não tem como não se entregar. Sinto como se aquela pessoa estivesse comigo", diz a estudante Leticia Milan, 25, que assiste aos vídeos para reduzir o estresse e pegar no sono.
Orelha a orelha
Para construir sua própria fábrica de sensações, é preciso mais do que uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Os vídeos de ASMR mais bem-sucedidos são feitos com um microfone binaural, que grava da perspectiva do ouvido e reproduz um som mais próximo do que é escutado no ambiente de gravação - é preciso ouvir com fones de ouvido.
O aparelho foi um dos investimentos de Renata Champion, 35, dona do canal Espaço ASMR, com 14 mil seguidores. Diferentemente de Carol, ela não lucra com os vídeos. "Até hoje não ganhei nem um real", afirma. Diz que faz o trabalho "por paixão". "Antes, tinha vergonha de gravar. Fiquei um ano criando coragem. Hoje, tudo que eu vejo e que eu pego imagino nos vídeos. Virou um vício."
A youtuber conta já ter recebido e-mails cheios de xingamentos de quem não entende as técnicas. Ela convive todos os dias com o ceticismo:
"Quando falo para o meu marido sobre as sensações, ele ri, diz que eu estou maluca. Ninguém da minha família sente."
"Eu não acho que pode haver algo ruim no ASMR. Muitas pessoas são dependentes de remédios para dormir. Ter algo que ajuda, sem a necessidade de medicamentos, é ótimo. Espero que estudem mais o assunto e encontrem formas de fazer ainda melhor, com resultados mais intensos", conclui.
O que diz a medicina
A neurologista e diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS), Andrea Bacelar, diz que, diferentemente do que acontece com os medicamentos, não há pesquisas clínicas bem desenhadas que comprovem os resultados do método. Ela, porém, não vê contraindicações. "Não podemos dizer que é um método não farmacológico efetivo de tratamento. Mas qualquer técnica que não seja invasiva ou nociva é bem vinda", avalia.
A médica explica que o ASMR não pode ser comparado a outros métodos alternativos usados para fins parecidos, como massagem, acupuntura e meditação. "Por mais que essas não tenham resultados significativos para a ciência médica, elas têm um padrão. [No ASMR] há uma situação muito vasta, qualquer indivíduo pode fazer um barulho. É tentativa e erro", explica. E acrescenta:
"Qualquer órgão do sentido pode ser estimulado, depende muito das memórias de cada um. Um barulho de cachoeira, por exemplo, pode remeter a um momento importante da vida de alguém, e isso pode, sim, gerar sensações."