— A Igreja estava sendo julgada só pelos defeitos e não pelas qualidades. Agora, começa uma discussão em torno das qualidades, com a possibilidade de se voltar para os pobres — avalia o publicitário Paulo de Tarso Santos, responsável pelo marketing das campanhas a presidente de Luiz Inácio Lula da Silva em 1989 e 1994 e de Marina Silva em 2010.
Santos acredita que Jorge Mario Bergoglio, o novo Papa, “tem uma vocação muito grande para o marketing pessoal”.
— A partir da eleição dele, a Igreja passou a ser vista de uma forma bastante diferente. O marketing da simplicidade é muito poderoso. As pessoas se identificam muito. Ninguém é contra a simplicidade.
Na avaliação do antropólogo e publicitário Renato Pereira, marqueteiro das campanhas do governador Sérgio Cabral em 2006 e 2010 e do prefeito Eduardo Paes em 2008 e 2012, o Pontífice argentino tem “consciência de que é importante agir dessa maneira” num período em que a Igreja atravessa uma crise com escândalos sexuais e financeiros, que atingem dois de seus principais pilares: a ética e a moral.
— Para ser relevante, qualquer instituição depende hoje de credibilidade. Mas numa instituição religiosa, que fala da fé, tudo se baseia na crença e na credibilidade.
A escolha inédita do nome Francisco, uma homenagem a São Francisco de Assis, o santo que abriu mão de uma vida de luxo para viver na pobreza no século XIII, deu a largada no processo de transformação de imagem, na avaliação dos especialistas em marketing político.
— Foi outra sacada muito boa. Tudo está embalado no mesmo processo — afirma Paulo de Tarso Santos.
atitudes que vêm do tempo de arcebispo
Especialista em história da Igreja, a professora da Universidade de Buenos Aires Claudia Touris avalia que o novo Papa tem sido, em seus primeiros dias no Vaticano, coerente com a vida que levava como arcebispo da capital argentina, mas, ao mesmo tempo, sabe da repercussão que cada um de seus gestos diante das câmeras têm desde o dia do conclave .
— Bergoglio é uma figura muito inteligente do ponto de vista de comportamento político. Sabe o que deve fazer e o que não deve fazer — diz a historiadora, lembrando que o sapato velho do Pontífice, que ganhou as páginas de jornais de todo o mundo, se desgastou de tanto o arcebispo andar a pé pelas ruas de Buenos Aires.
Segundo, ela a simplicidade acompanha o pontífice desde os tempos de líder da Ordem dos Jesuítas no país, nos anos 70. Uma das marcas de Bergoglio à frente da Arquidiocese de Buenos Aires era o hábito de tomar mate.
— Ele compartilhava a sua cuia de mate todos os dias com os pobres nasvillas (as favelas da Argentina), nas paróquias. Na cultura argentina, a tradição de tomar mate tem um significado de sociabilidade e de rompimento de distâncias — conta Claudia Touris.
De acordo com Renato Pereira, o grande trunfo do marketing do novo Papa está justamente no fato de que as suas atitudes que chamam a atenção no Vaticano não são artificiais.
— Não há uma marquetagem de fazer com que alguém pareça ser o que não é. Ele segue a agenda de valores e princípios que sempre teve. Daí vem a força dessa mensagem.
O marqueteiro do governador Sérgio Cabral avalia que no conclave os cardeais já foram em busca de uma pessoa que pudesse mudar a imagem da Igreja.
— A escolha do Papa Francisco já revela uma consciência em relação à extensão e à gravidade do problema de credibilidade. E aí encontram dentro dos seus quadros um cardeal que tem como seu patrimônio exatamente isso, uma pessoa profundamente coerente com seus valores, que vive de uma maneira muito simples há muito tempo e que tem uma relação real e verdadeira com os pobres.
Paulo de Tarso Santos acha que a simplicidade de Bergoglio também pode ter tido impacto no público interno da Igreja.
— Ele já cultiva esse marketing há um tempão e talvez essa seja uma das razões para ter sido escolhido — diz o ex-marqueteiro de Marina.
Conhecedora do trabalho de Bergoglio em Buenos Aires, Claudia Touris acredita que, além de ganhar o público, os gestos do Papa buscam também mandar um recado para os seus pares.
— De alguma maneira, ele está dando um exemplo forte ao resto dos cardeais e bispos. Mostrando como deveria ser o comportamento de um sacerdote — diz a historiadora.