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sábado, 14 de julho de 2018

Após post viralizar, blogueira com deficiência física contesta fim de canudos de plástico: 'Uso é essencial para alguns'

Cadeirante e tetraparésica, Marina Batista Francisco diz que precisa do utensílio e ainda não encontrou alternativa viável; especialistas explicam necessidades e aplicações.

Por Régis Melo, Campinas, SP
 
Uma postagem de uma blogueira de Campinas (SP) colocou mais fogo no debate sobre a luta para o fim dos canudos plásticos no país e no mundo. Marina Batista Francisco tem uma deficiência física que a impede, entre outras coisas, de levantar o copo para ingerir os alimentos e contestou nas redes sociais o banimento do utensílio.
A postagem viralizou e gerou diversos tipos de reações. Enquanto uns defendem o banimento do canudo, outros passaram a apontar alternativas ou a necessidade de se mantê-lo disponível para as pessoas com deficiência. Pivô da nova discussão, Marina é cadeirante e tetraparésica por doença degenerativa (atrofia muscular espinhal tipo 2) e explicou ao G1 porque o item é tão importante no seu cotidiano.
"O canudo tem que ser flexível, porque a gente bota na boca de um jeito diferente. A gente usa o canudo de um jeito diferente. Não é só colocar na ponta da boca e já foi. O apoio que a gente faz é outro. A gente ajeita o canudo, fixa ele dentro, deixa ele encostar no céu da boca. E só quando a gente está seguro, a gente suga. E suga com cuidado, tentando não deixar ele mexer", afirma a blogueira que, além de muito ativa no mundo online, é graduada em design.
Segundo ela, a ideia de diminuir o uso do canudo por causas ambientais é válida, mas é preciso pensar também que, para muitas pessoas com deficiência, ele ainda é a melhor solução.
"Por que as pessoas, ao invés de quererem banir, não cobram às empresas que treinem para quando você recusar o canudo, o funcionário vai lá e coloca na bandeja do mesmo jeito? Quer o canudo? Não quer? Deixar de usar o canudo, diminui o consumo, mas não acaba com a produção. Tem gente que precisa, o uso é essencial para alguns", ressalta.

Necessidade e alternativas

O plástico não é o único tipo de canudo. Diversas opções foram apontadas para Marina assim que a postagem começou a repercutir. Entre elas, alternativas como os tubos de vidro, metal, bambu e diferentes materiais que poderiam ser usados como substitutos. No entanto, muitas vezes, eles não são adequados para o usuário, como explica Rita de Cássia Ietto Montilha, terapeuta ocupacional e professora na Unicamp.
"Se você pegar um de metal, uma bebida quente, o calor fica mantido. A questão dos materiais mais rígidos, você tem uma dificuldade de posicionar para a pessoa. De acordo com a sua deficiência ou limitação motora, você não consegue posicionar de acordo com a necessidade dela. Porque tem que ter uma maleabilidade", diz.
Além da questão da facilidade de uso, a terapeuta destaca a preocupação com a higienização dos canudos reutilizáveis.
"Pessoas que têm esse tipo de doença são também mais suscetíveis a outros tipos de doenças, e a gente tem que cuidar. O que acontece? Se ele for descartável, ele é mais fácil do que o reusável, porque ele não depende de uma higienização para estar sendo mantido", exemplifica.
Materiais alternativos muitas vezes não suprem demanda de pessoas com deficiência (Foto: Reprodução/ TV Globo)Materiais alternativos muitas vezes não suprem demanda de pessoas com deficiência (Foto: Reprodução/ TV Globo)
Materiais alternativos muitas vezes não suprem demanda de pessoas com deficiência (Foto: Reprodução/ TV Globo)
A terapeuta, porém, acredita que é necessário desenvolver um produto que atenda aos usuários e que não seja agressivo ao meio ambiente. É o mesmo caso da professora e doutora em saúde da criança e do adolescente Maria Fernanda Bagarollo, que vê na parceria entre pesquisa acadêmia e empresarial um caminho para essa solução.
"A questão é que vai ter que ter um meio termo nessa questão, porque o canudo descartável, que é usado poucas vezes e já descartado, pode ser substituído, por exemplo, por um outro canudo, também de plástico, e de uso mais prolongado. Isso minimizaria, por exemplo, esse desperdício constante do material", explica.
"Eu fico pensando que a universidade tem que trabalhar junto com as empresas e junto com o usuário, para com o trabalho conjunto entre a pesquisa, aquilo que é evidenciado cientificamente, possa fomentar as produções nas empresas. E o usuário podendo direcionar se está sendo ou não confortável é um triângulo necessário para essa discussão", acrescenta.

Solução e inclusão

Seja qual for a solução encontrada pelo mercado, Marina indica que é preciso pensar não só no material, mas também no acesso que os usuários terão a ele, uma vez que o preço alto pode ser uma barreira para pessoas que já têm diversos outros gastos com a própria condição.
"Quando você está falando de acessibilidade, você tem que falar de custo para consumidor final, desde o doméstico até o comercial. Então é inviável [um produto caro]. Eu acho que tem que ter mais parcerias de biotecnologia, empresas que invistam em biotecnologia [para chegar a esse produto]", diz a blogueira.
"Tem casos de pessoas realmente que tem a alimentação só por meio de canudo, que ela só consegue fazer a sucção para se alimentar. Senão ela vai ter que ser mais dependente, colocar uma sonda, por exemplo, para se alimentar", pontua Rita de Cássia.
Marina é acompanhada pela mãe, que a auxilia no dia a dia (Foto: Régis Melo/G1)Marina é acompanhada pela mãe, que a auxilia no dia a dia (Foto: Régis Melo/G1)
Marina é acompanhada pela mãe, que a auxilia no dia a dia (Foto: Régis Melo/G1)
Além disso, Marina afirma que mesmo um canudo reutilizável pode ser um obstáculo a mais para quem tenta se encaixar em bares e restaurantes que, na maioria das vezes, não são projetados para receber pessoas com deficiência.
"Então, assim, é um canudo para botar na mochila? Eu vou ter que levar uma mochila? Tirando a questão de higiene, vamos esquecer isso, é um stress. O meu stress para sair já começa um dia antes. Não é tão simples assim quando a sua deficiência é severa. E quanto mais severa ela é, mais difícil é ficar na sociedade", afirma a blogueira, que estava acompanhada pela mãe e cuidadora durante a entrevista.
"Eu não estou inserida. Eu estou inserida no computador, eu tenho contatos, eu tenho amigos, eu faço a minha vida lá. Não é uma limitação física. É uma limitação de vontade das pessoas entenderem que a pessoa com deficiência não tem acesso", completa.

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