Cadeirante e tetraparésica, Marina Batista Francisco diz que precisa do utensílio e ainda não encontrou alternativa viável; especialistas explicam necessidades e aplicações.
Por Régis Melo, Campinas, SP
Uma postagem de uma blogueira de Campinas (SP) colocou mais fogo no debate sobre a luta para o fim dos canudos plásticos no país e no mundo. Marina Batista Francisco tem uma deficiência física que a impede, entre outras coisas, de levantar o copo para ingerir os alimentos e contestou nas redes sociais o banimento do utensílio.
A postagem viralizou e gerou diversos tipos de reações. Enquanto uns defendem o banimento do canudo, outros passaram a apontar alternativas ou a necessidade de se mantê-lo disponível para as pessoas com deficiência. Pivô da nova discussão, Marina é cadeirante e tetraparésica por doença degenerativa (atrofia muscular espinhal tipo 2) e explicou ao G1 porque o item é tão importante no seu cotidiano.
"O canudo tem que ser flexível, porque a gente bota na boca de um jeito diferente. A gente usa o canudo de um jeito diferente. Não é só colocar na ponta da boca e já foi. O apoio que a gente faz é outro. A gente ajeita o canudo, fixa ele dentro, deixa ele encostar no céu da boca. E só quando a gente está seguro, a gente suga. E suga com cuidado, tentando não deixar ele mexer", afirma a blogueira que, além de muito ativa no mundo online, é graduada em design.
Segundo ela, a ideia de diminuir o uso do canudo por causas ambientais é válida, mas é preciso pensar também que, para muitas pessoas com deficiência, ele ainda é a melhor solução.
"Por que as pessoas, ao invés de quererem banir, não cobram às empresas que treinem para quando você recusar o canudo, o funcionário vai lá e coloca na bandeja do mesmo jeito? Quer o canudo? Não quer? Deixar de usar o canudo, diminui o consumo, mas não acaba com a produção. Tem gente que precisa, o uso é essencial para alguns", ressalta.
Necessidade e alternativas
O plástico não é o único tipo de canudo. Diversas opções foram apontadas para Marina assim que a postagem começou a repercutir. Entre elas, alternativas como os tubos de vidro, metal, bambu e diferentes materiais que poderiam ser usados como substitutos. No entanto, muitas vezes, eles não são adequados para o usuário, como explica Rita de Cássia Ietto Montilha, terapeuta ocupacional e professora na Unicamp.
"Se você pegar um de metal, uma bebida quente, o calor fica mantido. A questão dos materiais mais rígidos, você tem uma dificuldade de posicionar para a pessoa. De acordo com a sua deficiência ou limitação motora, você não consegue posicionar de acordo com a necessidade dela. Porque tem que ter uma maleabilidade", diz.
Além da questão da facilidade de uso, a terapeuta destaca a preocupação com a higienização dos canudos reutilizáveis.
"Pessoas que têm esse tipo de doença são também mais suscetíveis a outros tipos de doenças, e a gente tem que cuidar. O que acontece? Se ele for descartável, ele é mais fácil do que o reusável, porque ele não depende de uma higienização para estar sendo mantido", exemplifica.
A terapeuta, porém, acredita que é necessário desenvolver um produto que atenda aos usuários e que não seja agressivo ao meio ambiente. É o mesmo caso da professora e doutora em saúde da criança e do adolescente Maria Fernanda Bagarollo, que vê na parceria entre pesquisa acadêmia e empresarial um caminho para essa solução.
"A questão é que vai ter que ter um meio termo nessa questão, porque o canudo descartável, que é usado poucas vezes e já descartado, pode ser substituído, por exemplo, por um outro canudo, também de plástico, e de uso mais prolongado. Isso minimizaria, por exemplo, esse desperdício constante do material", explica.
"Eu fico pensando que a universidade tem que trabalhar junto com as empresas e junto com o usuário, para com o trabalho conjunto entre a pesquisa, aquilo que é evidenciado cientificamente, possa fomentar as produções nas empresas. E o usuário podendo direcionar se está sendo ou não confortável é um triângulo necessário para essa discussão", acrescenta.
Solução e inclusão
Seja qual for a solução encontrada pelo mercado, Marina indica que é preciso pensar não só no material, mas também no acesso que os usuários terão a ele, uma vez que o preço alto pode ser uma barreira para pessoas que já têm diversos outros gastos com a própria condição.
"Quando você está falando de acessibilidade, você tem que falar de custo para consumidor final, desde o doméstico até o comercial. Então é inviável [um produto caro]. Eu acho que tem que ter mais parcerias de biotecnologia, empresas que invistam em biotecnologia [para chegar a esse produto]", diz a blogueira.
"Tem casos de pessoas realmente que tem a alimentação só por meio de canudo, que ela só consegue fazer a sucção para se alimentar. Senão ela vai ter que ser mais dependente, colocar uma sonda, por exemplo, para se alimentar", pontua Rita de Cássia.
Além disso, Marina afirma que mesmo um canudo reutilizável pode ser um obstáculo a mais para quem tenta se encaixar em bares e restaurantes que, na maioria das vezes, não são projetados para receber pessoas com deficiência.
"Então, assim, é um canudo para botar na mochila? Eu vou ter que levar uma mochila? Tirando a questão de higiene, vamos esquecer isso, é um stress. O meu stress para sair já começa um dia antes. Não é tão simples assim quando a sua deficiência é severa. E quanto mais severa ela é, mais difícil é ficar na sociedade", afirma a blogueira, que estava acompanhada pela mãe e cuidadora durante a entrevista.
"Eu não estou inserida. Eu estou inserida no computador, eu tenho contatos, eu tenho amigos, eu faço a minha vida lá. Não é uma limitação física. É uma limitação de vontade das pessoas entenderem que a pessoa com deficiência não tem acesso", completa.
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