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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Do luto à luta: pais de vítimas da violência e negligência entram na política.



Sobrenomes Yared, Deppman e Roig ficaram conhecidos após serem alvos de tragédias e hoje eles buscam justiça nas urnas

As famílias Yared, Deppman e Roig vivem em três Estados diferentes, não se conhecem pessoalmente, mas têm em comum a dor da morte precoce dos filhos, vítimas de casos trágicos amplamente divulgados pela imprensa. E a busca por justiça foi parar nas urnas neste ano com ajuda de amigos e voluntários. Candidatos ao cargo de deputado, os novatos Christiane Yared, Marisa Deppman e Marcos Roig depositam nas eleições 2014 o fim do sentimento de impunidade, presente num violento acidente de trânsito, na frieza de um menor armado e em um erro médico, respectivamente, que interromperam bruscamente a vida de três jovens.
Divulgação
Candidata Christiane Yared: projetos são frutos do filho que plantou, não enterrou
Ouvidos pelo iG, os candidatos garantem que lutar contra o tipo de crime que desestabilizou suas vidas é o que alimenta o engajamento e desperta uma versão ativista da experiência do luto.
 Logo após os casos, todos se envolveram em manifestações, associações e atendimentos às vítimas ligados ao próprio drama, buscando canalizar o sentimento de vingança, revolta e descrença no poder público.
Fazer compras em um supermercado de Curitiba (PR), por exemplo, não é uma tarefa fácil para a empresária Christiane, mãe de Gilmar Yared, um dos jovens mortos no acidente envolvendo o ex-deputado Carli Filho, em 2009, que dirigia entre 161 km/h a 173 km/h.
“Dificilmente saio sem ser reconhecida por alguma mãe que perdeu o filho [aos 26 anos] ou por alguém que apenas quer me dar um abraço. [Minha luta] é um caminhar que já dura cinco anos, infelizmente, acompanhada pela morte do meu filho”, desabafa.
E continua: “Até hoje o assassino não recebeu nem a multa por excesso de velocidade”. Em maio deste ano, a Justiça do Paraná decidiu pela terceira vez que o acusado enfrentará júri popular pelas mortes, mas sem data marcada.
Casos de violência:
Victor Deppman: Universitário é morto durante tentativa de assalto na zona leste de SPGilmar Yared: Justiça nega recurso e ex-deputado Carli Filho vai a júri popularRodrigo Roig: Guerreiro contra a dengue no Rio de Janeiro
Um mês após a morte de Gilmar, ela já atendia famílias enlutadas e formou um grupo de discussões sobre a violência no trânsito. Meses depois, o ativismo foi formalizado com a fundação do Instituto Paz no Trânsito (IPTRAN), que apresenta projeto de conscientização e responsabilidade aos motoristas infratores.
 “A política surgiu de uma forma natural. Estamos conseguindo mudar a realidade de Curitiba e isso pode ser feito no Brasil. [Os projetos] são frutos do meu filho plantado, não morto.
Prometi em seu velório que o plantaria, não o enterraria. E tenho vontade política para isso”, encerra a candidata à deputada federal pelo PTN/PR, que já havia ministrado quatro palestras no dia da entrevista.
“Crime não tem idade, punição sim”
A advogada Marisa Deppman dedicou sua carreira à causa trabalhista. 
A morte do filho Victor Hugo Deppman, então com 19 anos, executado por um menor de 17 após entregar o celular, na zona leste de São Paulo, no entanto, mudaria isso.
 Desde abril de 2013, ela voltou a abrir os livros de direito penal e buscou dominar os conceitos da área criminalista. “Eu e meu marido precisávamos de uma motivação para viver, tentar não enlouquecer ou entrar numa depressão. Prometi ao meu filho que ele não seria apenas uma estatística policial.”
Veja imagens dos candidatos com os filhos que foram vítimas de tragédias:
Marisa Deppman com o filho Victor Hugo, morto no ano passado durante assalto na zona leste de São Paulo.
Ela então elaborou dois projetos de lei defendendo mudanças expressivas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a redução da maioridade penal, mas ambos foram engavetados em Brasília. Neles, Marisa defendia que o menor praticante de crime hediondo sairia da proteção do ECA e passaria a responder pela legislação comum, o Código Penal. 
O assaltante que matou seu filho, por exemplo, pegaria até 30 anos por latrocínio e agravantes. “Ele cumpriria até os 21 na Fundação Casa e depois seria transferido ao presídio comum”. 
Sem resposta das autoridades políticas, ela decidiu que tentaria chegar ao Congresso Nacional pelo PSDB/SP com o mote Crime não tem idade, punição sim.
“Só quem passa por isso entende. Eu tenho outro filho, sobrinhos e quero ter netos, mas com segurança e viver em paz. 
Sou candidata porque quero tentar fazer alguma coisa”, disse ao iG, ressaltando ainda que não consegue dormir quando Vinicius Deppman, de 24 anos, sai para baladas ou decide dormir fora.
Para ela, os menores perderam o medo de cometer crimes porque se apoiam na impunidade.
 E rejeita o título da extremista e garante que não está sozinha.
 “O brasileiro chegou ao limite na questão de impunidade, violência e falta de segurança. E não existe Direitos Humanos.
 Hoje só vemos ações dos 'Direitos dos Manos', que favorecem os criminosos e não famílias de bem.” 
“Lutar para reconstruir” 
Foram cinco dias frequentando clínicas particulares até o tardio diagnóstico de dengue hemorrágica. Horas depois, Rodrigo Yamawaki Roig, aos 6 anos, teve hemorragia interna e não resistiu.
 A morte do filho alterou o rumo da família Roig desde fevereiro de 2008.
 “Eu fiquei extremamente mal. Foi quando recebi a dica: 
‘Use essa energia para resolver o problema. Lutar para reconstruir’. 
Eu já tinha perdido um pedaço de mim. A saída era canalizar a revolta para o bem”, explica o engenheiro Marcos Roig, que é pai de Luísa e Yasmin, de 11 e 16 anos, e candidato à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Arquivo pessoal
Roig com Yasmin, Rodrigo e Luísa (à dir.). A última, hoje com 16 anos, não fala sobre a morte do irmão
Pouco mais de um ano depois, em julho de 2009, a parceira com outras vítimas da doença resultaria na criação da Associação de Vítimas da Dengue (Avide). 
Ao alcançar divulgação nacional com o caso de negligência médica, o nome de Rodrigo foi escolhido para batizar uma clínica da família, no Complexo do Alemão, no Rio. 
Atuando como gestor do novo espaço, Roig conseguiu se especializar no tema e concluir que os funcionários da saúde pública e privada não estão preparados para ajudar a população em casos de epidemia.
“Vivemos não só um problema de infraestrutura, mas de profissionais também, dentro da rede pública e privada.
 Não dá para endemonizar apenas o serviço público”, resume. Roig ressalta ainda que muitos deveriam ingressar na vida pública – como político ou formador de opinião – antes de viver uma tragédia. 
O engenheiro se orgulha da comitiva voluntária que conseguiu formar e que ainda dispensará ajuda financeira do partido.
 "Posso não ganhar essas eleições, mas já começo a construir uma história na política", concluiu. 
Divulgação
Parlamentar Keiko Ota (PSB/SP) não impressionou, mas tenta a reeleição
O desempenho de Keiko Ota
Não é o primeiro ano em que vítimas de casos emblemáticos tentam chegar ao poder público. Masataka Ota e Keiko Ota também conquistaram cargos públicos após exposição no jornalismo policial. Eles ficaram conhecidos após a morte violenta do filho de Ives, de 8, vítima de um sequestro em 1997. Os três acusados pelo crime foram condenados menos de um ano após o assassinato da criança.
Candidata à reeleição, a parlamentar Keiko (PSB/SP) não deixou uma boa impressão na sua primeira passagem pelo Congresso, no entanto. É o que explica Antônio Augusto de Queiroz, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade que acompanha o trabalho do Congresso desde 1983.
Segundo ele, a deputada não participou de discussões relevantes e não conseguiu transformar em lei nenhuma das propostas de sua autoria, quase todas relacionadas ao setor que representa - alteração do Código Penal em casos de crimes hediondos e a criação do Fundo de Assistência às Famílias de Vítimas de Crimes Dolosos (FAVIC).
"Candidatos que se promovem em função de tragédias, normalmente, são uma decepção no desempenho do mandato. Acham que podem converter uma revolta em políticas públicas para combater um determinado tipo de atitude", avalia o especialista. Para ele, ausência de experiência, traquejo e capacidade de liderança, por exemplo, podem sentenciar um mandato.

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