Ele é assunto na fila do almoço, em eventos, na televisão, em sites de investimento. O Bitcoin, a criptomoeda mais famosa do mundo, deixou de ser usada apenas nos submundos da internet, e passou a ser um dos investimentos mais comentados do planeta.
O motivo é sua valorização. A moeda valia 997 dólares no início do ano, chegou a 6.750 no início de novembro, bateu 10.000 dólares na última noite e chegou a 11.300 na tarde desta quarta-feira.
Somente em 2017, o Bitcoin viu seu valor subir mais de 1.000%, o número de transações aumentou 55% e uma média de 30.000 carteiras digitais foram criadas por dia. A euforia se espalhou para outras moedas. O Ethereum, outra criptomoeda, passou dos 500 dólares e já acumula alta de 5.000% no ano.
De acordo com um relatório do banco Goldman Sachs, o mercado de criptomoedas valia cerca de 120 bilhões de dólares em agosto deste ano, com o Bitcoin correspondendo a cerca de 50% do total. Hoje, com a alta recente do Bitcoin, o valor já chega perto de 200 bilhões de dólares. Há mais de 800 criptomoedas, mas apenas nove têm valor total que excede 1 bilhão de dólares. Há cerca de 11 milhões de investidores em moedas no mundo.
Há cerca de um mês, o analista de investimentos da Empiricus Research, Felipe Miranda, afirmou que o Bitcoin é o tipo de investimento que é preciso ter, pois os ganhos podem ser astronômicos, o que minimiza o risco real de se perder tudo.
O investidor de risco americano Michael Novogratz, presidente do grupo de investimentos Galaxy, recentemente afirmou que a moeda pode chegar a uma marca de 40.000 dólares em dezembro do ano que vem. Para Novogratz, mesmo o Ethereum deve valer por volta do triplo da atual cotação no médio prazo. A Chicago Mercantile Exchange, a bolsa de Chicago, afirmou que deve começar a negociar futuros de Bitcoin até o final do ano.
A pergunta obrigatória é: pra onde vai o Bitcoin? Os apelos do Bitcoin são três: a escassez natural, já que o montante total de moedas é de 21 milhões de unidades, e uma nova moeda é dada para quem ajuda a criptografar operações na cadeia (atualmente existem entre 16 e 17 milhões de bitcoins disponíveis e o último deve ser minerado em 2140); o risco de as moedas fiduciárias perderem valor no longo prazo em uma época que Bancos Centrais compram ativos de governos para equilibrar cotações; e o apelo da anonimidade.
Para Philip Coggan, editor da revista The Economist e autor do blog Buttonwood, essas três razões explicam por que há alguma demanda pelo Bitcoin, mas não por que há tamanha demanda. “As pessoas compram Bitcoin porque elas esperam que outros comprem esses ativos delas a um preço maior. É a definição da teoria do mais tolo”, escreveu Coggan.
Ou seja: se as pessoas tentassem vender suas posições de Bitcoin de uma só vez, o preço iria cair e a fortuna iria secar. O próprio presidente do Banco Central brasileiro, Ilan Goldfajn, afirmou que trata-se da “típica bolha ou pirâmide que existem na economia há centenas de anos”.
Para Marie Owens Thomsen, estrategista-chefe Global do Indosuez Wealth Management, braço de gestão de fortunas do banco Crédit Agricole, o Bitcoin pode ser uma bolha e um investimento simultaneamente. “Creio que criptomoedas estejam aqui para ficar de alguma maneira ou de outra, embora o atual entusiasmo seja parecido com a corrida do ouro do século 19”.
Para Thomsen, não é possível mensurar o real valor do Bitcoin, mas ativos com um suprimento finito tendem à apreciação e a manter seu valor razoavelmente alto. Some-se isso ao excesso de liquidez no mundo, com taxas de juros baixas nas principais economias, e a explicação para o recorde do Bitcoin é parecido com a das obras de arte. Há duas semanas, um quadro de Leonardo Da Vinci, o Salvator Mundi, foi leiloado pelo valor recorde de 450 milhões de dólares.
O Bitcoin não tem valor fundamental, não é comparado a uma ação ou a uma commodity, não oferece um fluxo de pagamentos, nem é um direito sobre um ativo real que produz riqueza. “Trata-se de uma classe completamente nova de ativo econômico. Na teoria econômica tradicional, o Bitcoin não tem uma classificação específica. Ele inclusive tem um uso para cada pessoa: pode ser usado para transações, remessas de dinheiro internacional, investimento ou reserva de valor”, afirma Gabriel Aleixo, co-fundador do Bitcoin Hub Brasil, centro de estudos em Bitcoin, e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Na teoria econômica são três as funções de uma moeda: reserva de valor, unidade de contagem e meio de pagamento. O Bitcoin é mais utilizado como reserva de valor do que como meio de pagamento, motivo pelo qual a liquidez da moeda ainda é baixa no varejo, mas alta como investimento. Boa parte dessa reserva é mantida porque há uma expectativa no mercado de que a moeda seja utilizada eventualmente como um meio de pagamento.
Por exemplo, quando surgem boatos de que a Amazon, a maior varejista digital do mundo, pode começar a aceitar o Bitcoin como forma de pagamento, o câmbio da moeda é fortemente afetado para cima. “A pergunta que eu faço é: o Bitcoin tem valor em si mesmo? O valor dele é dado pela confiança e pelo uso, é o que as pessoas dão a ele”, afirma Fabrício Sanfelice, diretor de Marketing da Atlas Project, empresa especializada em investimentos e arbitragem em Bitcoin.
Há diversos entraves para que o Bitcoin se torne uma moeda com liquidez para o varejo, a começar pela evolução do funcionamento do serviço. Para Aleixo, essa situação deve ser resolvido dentro dos próximos 2 anos, com mais investimentos na plataforma que possibilitem um maior número de pagamentos por segundo. “Hoje, como moeda, o Bitcoin é muito utilizado para remessas internacionais por ser menos complicado e burocrático do que o serviço dos bancos. A usabilidade precisa ser melhorada para compras no varejo e creio que a escalabilidade também. Nos próximos anos será possível processar milhares de pagamentos por segundo, ao invés de dezenas, com uma plataforma mais amigável ao usuário, pelos avanços na tecnologia”, afirma.
Mas isso também passa por reconhecimentos oficiais. Em abril deste ano, o parlamento japonês foi pioneiro ao reconhecer o Bitcoin, junto de outras criptomoedas, como meio de pagamento legal e estabelecer companhias com reconhecimento oficial para trocas da moeda. Segunda uma pesquisa da rede de TV NHK, o número de estabelecimentos que aceita a moeda passou de 900 em 2015, para 4.200 em 2016. Espera-se que 300.000 estabelecimentos o aceitem até o final deste ano, segundo dados da bitFlyer, maior operadora de Bitcoin do Japão. No Brasil, o uso da moeda não é regulamentado, mas o Banco Central adverte contra o uso pelos riscos da operação.
O mercado de Bitcoin espera que regulações aprovadas juntas à Comissão de Mobiliários e Trocas dos Estados Unidos, (SEC), tragam mais regularidade e atraiam também os maiores fundos de investimento. Caso investidores que dão prioridade a formas mais tradicionais de aplicações embarquem no mercado, o preço pode subir ainda mais.
O fato de contratos futuros estarem sendo negociados também é positivo, já que eles estabelecem um preço no longo prazo e traçam um horizonte mais claro para a moeda. Na semana passada, a Comissão de Commodities e futuros dos Estados Unidos permitiu que a plataforma de trocas LedgerX negocie opções de compra de Bitcoin a 10.000 dólares em dezembro de 2018 — implicando que o preço deve estar mais alto do que isso até lá.
Thomsen, da Indosuez , acredita que as criptomoedas estão em situação semelhante ao episódio das empresas ponto-com no começo dos anos 2000: é difícil prever quais vão continuar e quais vão sucumbir. Mas que elas vieram para ficar, não há muitas dúvidas. “A alta de mais de 10 vezes só neste ano mostra que o espaço para crescer é vasto. No entanto, eu alertaria investidores contra comprar na alta ou vender na baixa. Com o tamanho espetacular do avanço em 2017, é preferível esperar por uma correção antes de entrar na onda”.
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