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sábado, 4 de novembro de 2017

Enem: Cármen Lúcia nega pedido da PGR e da AGU para zerar redação que ferir direitos humanos

Decisão mantém sentença da Justiça Federal que permite descontar no máximo 200 pontos de redação contrária às diretrizes do Inep; autora do pedido, Associação Escola sem Partido diz que regra impõe 'politicamente correto' aos alunos.

Por Renan Ramalho, G1, Brasília
 
STF mantém proibição de zero para redação que viole direitos humanos
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou neste sábado (4) pedidos da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) para permitir ao Ministério da Educação (MEC) dar nota zero a redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com teor considerado ofensivo aos direitos humanos.
Na prática, a decisão de Cármen Lúcia mantém decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) do último dia 25 que proíbe anular a redação tida pelos examinadores como contrária aos direitos humanos. Conteúdo desse tipo poderá levar o candidato a perder, no máximo, 200 pontos (de um total de 1.000), conforme a avaliação do corretor.
Porta de entrada para a maioria das universidades públicas do país, o exame começa neste domingo (5) com as provas de redação, português, literatura, língua estrangeira, história, geografia, filosofia e sociologia. Estão inscritos mais de 6,7 milhões de candidatos.
A decisão de Cármen Lúcia é temporária e poderá ser revista posteriormente pelo STF no julgamento de mérito, numa análise mais aprofundada da questão, na qual AGU e PGR poderão se manifestar novamente. Não há tempo, porém, para uma nova decisão da Corte, até a prova deste domingo (5), que venha a reverter a decisão de Cármen Lúcia.
Por meio de sua assessoria, a AGU informou que não há o que fazer em relação ao caso neste sábado. O MEC informou que vai respeitar a decisão e não vai recorrer, para dar "segurança jurídica" e "tranquilidade" aos candidatos (leia abaixo). A assessoria da PGR ainda não havia respondido às ligações do G1 até a última atualização desta reportagem.
A ação original foi apresentada no ano passado pela Associação Escola sem Partido e diz que o critério de correção do Enem ofende o direito à livre manifestação do pensamento, a liberdade de consciência e de crença e os princípios do pluralismo de ideias, impessoalidade e neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, todos garantidos pela Constituição.
"Ninguém pode ser obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade", diz a ação, acrescentando que o próprio Inep, órgão do MEC que elabora a prova, desrespeita os direitos humanos ao cercear a liberdade do aluno de defender ponto de vista diferente daquele dos corretores de sua redação.
Na decisão, Cármen Lúcia diz não enxergar "lesão a interesses públicos relevantes" na decisão do TRF-1, que, para ela, "expande os direitos fundamentais", ao garantir o exercício da liberdade de expressão e de opinião dos candidatos.
"Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato"
Nas ações da PGR e da AGU, os dois órgãos defenderam o critério aplicado desde 2013 no Enem que permite anular a redação de estudantes que façam "menção ou apologia" à defesa de tortura, mutilação, execução sumária ou qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, por exemplo.
Também seriam punidos com nota zero textos com "incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica; explicitação de qualquer forma de discurso de ódio", conforme cartilha oficial de orientação aos alunos que participam do teste.
Para a presidente do STF, porém, há "meios e modos" para se questionar, no âmbito do governo ou mesmo da Justiça, "eventuais excessos" na liberdade de expressão.
"Não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça"
Na decisão, Cármen Lúcia citou decisão do STF de 2015 que liberou a publicação de biografias não autorizadas. Relatora do caso, a ministra votou, na época, contra a "cultura do politicamente correto", que, na visão dela, vinha sendo levada ao "paroxismo".
"Com o politicamente correto, adotam-se formas de censura que mitigam ou dificultam o pluralismo ao qual a liberdade pessoal conduz, porque a censura, estatal ou particular, introduz o medo de não ser bem acolhido no grupo sicial. O medo e a vergonha fragilizam o ser humano em sua dignidade. Sem dignidade, não se resguarda a identidade, que faz cada ser único em sua humanidade insubstituível", afirmou à época.

O que diz a Associação Escola sem Partido

Na ação apresentada à Justiça Federal, a Associação Escola sem Partido aponta falta de "referencial objetivo" no edital do Enem, ao não exigir dos candidatos familiaridade com a "complexa" legislação brasileira sobre direitos humanos.
Para a associação, o Enem acaba impondo respeito ao "politicamente correto, que nada mais é do que um simulacro ideológico dos direitos humanos propriamente ditos".
"Por mais bem escrita e até mesmo conforme aos direitos humanos propriamente ditos, a redação pode vir a ser anulada se o candidato tiver a má sorte de expressar uma opinião que os corretores considerem ser contrária a 'valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural', conforme as diretrizes traçadas pelo Inep", diz a ação.
"Ou seja, não bastasse o altíssimo grau de subjetividade envolvido na compreensão desses conceitos, a lista do Inep ainda permite a inclusão de outros, a depender da sensibilidade e da imaginação dos corretores", completa a entidade.

O que diz o Ministério da Educação

Em comunicado divulgado à imprensa, o Ministério da Educação e o Inep informaram que acatam a decisão do STF e que não vão recorrer, de modo a dar "segurança jurídica" e "tranquilidade" aos candidatos.
Diante disso, o MEC e o Inep informam aos participantes do Enem 2017 que não haverá anulação automática da redação que violar os Direitos Humanos, como previa o Edital do Enem. Continuam em vigor os critérios de correção das cinco competências, conforme estabelecido na Cartilha de Participante - Redação no Enem 2017 (MEC, em nota).

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