Rio passa por situação semelhante. Neste cenário, cresce o mercado informal de aluguel de boxes, e novo plano diretor pode restringir mais as garagens em prédios na cidade
Com mais facilidades para a compra do carro, cresce a demanda por vagas de garagem nas grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro. Por outro lado, se mantém, e em alguns casos até diminui, o número de vagas oferecidas pelos imóveis nas cidades. Como resultado, ter uma vaga de garagem extra pode significar um desembolso de até R$ 200 mil.
É o caso de um apartamento de 150 metros quadrados no Jardim Paulistano, próximo à Avenida Faria Lima, em pleno centro empresarial de São Paulo. Ali, há muita demanda por vagas e maior dificuldade para construir garagens. Isso porque a região é considerada um meandro do rio Pinheiros, o que encarece construções em subsolos.
Na região, enquanto o apartamento com uma vaga custa R$ 1 milhão, ter uma vaga adicional pode custar de R$ 150 mil a R$ 200 mil, aponta Mauro Bertaglia, CEO da consultoria imobiliária 123i.
O valor da vaga, ressalta, geralmente acompanha a região, e não o padrão do imóvel. "No bairro, que já é valorizado, a vaga extra tanto em um apartamento de R$ 1 milhão quanto de R$ 5 milhões tem o mesmo valor". Uma vaga de garagem tem valor próprio, em alguns casos até escritura distinta, e deve ser vista como um imóvel separado.
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Na última década, em média, a proporção de vagas por apartamento pouco se alterou em São Paulo. De acordo com levantamento da 123i para o iG, edifícios que serão entregues na cidade em 2014 ou nos próximos anos com 57,17 metros quadrados têm uma vaga, quando, no início da década, a proporção era de uma vaga para cada 52,89 metros quadrados. O levantamento considera o estoque de imóveis na cidade, e não apenas os que estão sendo comercializados.
O problema nesta equação é que a frota de automóveis aumentou desde então. "Podemos observar famílias que tinham dois carros e agora têm três", diz o vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI) do Rio de Janeiro, Claudio Hermolin. Uma economia mais estável, aliada a uma maior facilidade de compra, por conta de incentivos governamentais concedidos ao setor automotivo desde a crise de 2008, provocou um aumento exponencial da demanda por vagas.
Do lado das construtoras, também ficou mais caro construir, e o tipo do empreendimento mudou. Com o aumento dos condomínios clubes, ficou difícil construir as vagas necessárias, principalmente se a questão passar pelo aprofundamento do terceiro ou quarto subsolo. "Há também a possibilidade de construir o prédio a partir de um patamar mais alto, mas isso desvaloriza o empreendimento", conta Bertaglia.
Como resultado, as vagas, na verdade, diminuíram conforme diminuiu a área dos empreendimentos, e seu valor aumentou na proporção do valor do imóvel, e, em algumas regiões, até de forma superior, devido à escassez de boxes. "Se a família tem mais de um carro, ou até três, tem um problema. Isso porque, para comprar um apartamento com três vagas, irá desembolsar um valor muito maior do que há dez anos", resume Bertaglia.
Outras metrópoles também passam pelo problema
A situação em outras grandes cidades é semelhante à de São Paulo. Na zona sul do Rio, por exemplo, considerado o maior metro quadrado do Brasil, 60% dos imóveis são antigos. "Hoje é impossível aprovar um empreendimento na região que não tenha vagas. Mas muitos prédios antigos não têm garagem. Isso faz com que o valor das vagas aumente muito", diz Hermolin, da Ademi-RJ.
Na região, portanto, quanto mais vagas o empreendimento tiver, mais valor por metro quadrado pode ser agregado ao prédio. "É possível cobrar de 20% a 30% mais", estima Hermolin.
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É possível cobrar de 20% a 30% mais ao lançar um empreendimento com vagas em uma região com escassez" (Claudio Hermolin, vice-presidente da Ademi-RJ)
Além do Rio, João Crestana, empresário do setor imobiliário e ex-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) de São Paulo, aponta que o problema também é enfrentado por outras capitais, como Brasília, Recife, Salvador e Fortaleza.
"Em Recife, demora-se 1h30 do aeroporto até o centro da cidade, que não é uma grande distância, por conta do excesso de veículos. Mas a cidade ainda dá mais incentivo ao transporte público, enquanto os congestionamentos em Brasília no final da tarde são absurdos, pois a cidade não foi feita para o transporte coletivo".
Para o consultor automotivo da Carro e Dinheiro, Leandro Mattera, a infraestrutura das cidades não acompanhou a elevação das vendas de carros. "A maior parte das vagas foi dimensionada em um cenário diferente, para carros menores. E a compra do carro é antecipada cada vez mais por conta, além da facilidade, de segurança e falta de opções de transporte".
Escassez de vagas incentiva mercado de aluguel
O administrador Kleber Cardoso, de 30 anos, comprou, há um ano e dois meses, um apartamento em um empreendimento com dez torres no bairro da Saúde, em São Paulo. Ele mora com a mulher. O casal tem dois carros. Até hoje, ele ainda aguarda na fila para alugar uma vaga no condomínio.
São 450 apartamentos, com uma vaga cada. "Ainda tem cinco pessoas na minha frente. E olha que muita gente aluga vagas", conta. O aluguel gira em torno de R$ 150 por mês. "Achei um pouco abusivo, porque todas as vagas são divididas com mais dois carros. Toda vez que um resolve sair tem de deslocar e manobrar os outros dois carros, e deixar a chave do carro por lá".
A saída é, por enquanto, deixar o carro na rua. "Não me preocupo com segurança, mas não é cômodo. Só consigo estacionar com mais facilidade após às 19h, quando um posto de saúde na rua fecha. Senão, tenho de caçar vagas".
Hermolin, da ADEMI-RJ, aponta que, dependendo da localização, há quem já cobre de meio a um salário mínimo para alugar uma vaga no Rio.
O problema é que, geralmente, esses contratos são informais. E, no caso da venda do imóvel, podem prejudicar quem aluga. É o caso da profissional de relações internacionais, Carolina Alves, de 30 anos, que mora em um empreendimento no Ipiranga, em São Paulo. "A proprietária não me avisou que vendeu o imóvel, porque quis segurar o meu aluguel até o final. Tive sorte porque quando soube ouvi que havia um vizinho querendo alugar a dele".
Mas Carolina sentiu no bolso a troca. Ela pagava R$ 120 por mês, e passou a desembolsar R$ 150. Em seu andar, ela e o irmão alugam a vaga de dois vizinhos de porta, pois os pais utilizam a única vaga do apartamento. O quarto apartamento do andar é habitado por um solteiro, que utiliza sua única vaga.
Revisão do Plano Diretor pode diminuir número de vagas
A revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo deve ser votada este ano. O projeto prevê uma restrição ainda maior de vagas de garagem em novos empreendimentos construídos nos chamados eixos de transformação, que incluem as principais avenidas da cidade. "Se a proporção de vagas se manteve até agora, ela pode agora cair caso o projeto seja aprovado", diz Bertaglia, da 123i.
Isso porque, caso a construtora queira construir mais de uma vaga por apartamento, ela será adicionada ao limite para construção. Ou seja: se não quiser elevar o preço do imóvel, terá de optar por diminuir a área da unidade. "Mas uma vaga tem 25 metros quadrados. Ninguém irá tirar esse espaço do apartamento", diz Claudio Lima, professor do Núcleo de Real State da Universidade de São Paulo (USP).
Desta forma, o governo municipal pretende induzir um uso maior do transporte público. Mas, para Hermolin, a única solução é melhorar o transporte de massa. "Senão, o comprador terá de pagar cada vez mais caro por um apartamento que pode ser antigo e não ter vagas de garagem, e ainda ter de pagar uma garagem fora do prédio porque não tem opção para se deslocar".
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