Por - iG São Paulo |
Pedro Emanuel nasceu com microcefalia há duas semanas: "Nós o amamos muito, com certeza", declara pai do bebê
Pedro Emanuel tem duas semanas de vida e começará o tratamento multidisciplinar no RJ
O lancheiro Robson Souza Pureza, de Terezópolis, no Rio de Janeiro, foi visitar os parentes em Salvador junto com a mulher, Raquel Silva de Andrade. No momento da viagem, em junho de 2015, a cidade estava passando por um surto de zika vírus, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Robson adoeceu, mas os sintomas persistiram por apenas poucos dias de maneira quase branda. Raquel também teve indisposições enquanto estava na cidade. De volta a Terezópolis, ela apresentou sinais de estar infectada pelo zika vírus, como coceiras no corpo e, quando foi ao médico tentar esclarecer, descobriu, de surpresa, estar grávida de dois meses.
Naquele momento, o zika vírus não estava associado como causador de microcefalia, e Raquel seguiu despreocupada com a gestação. Em uma ultrassonografia morfológica, no quinto mês de gravidez, uma alteração foi detectada no bebê. “Nós nos perguntávamos o que seria aquilo”, conta Robson. “Fizemos outra ultrassonografia morfológica e tornamos a ver o problema."
“Quando apareceu uma calcificação no cérebro, o médico disse que a cabeça dele não estava compatível com o tamanho da gestação”, explica. “Pelo tempo de gravidez, a cabeça devia estar um pouco maior”.
Pelas características da alteração, o médico que acompanhava Raquel pensou se tratar de sequelas de toxoplasmose, já conhecido como causador da malformação. O exame para detecção foi pedido e veio negativo para essa doença e também para o citomegalovírus, que também provoca microcefalia.
Um mês depois, conta Robson, eles começaram a ver notícias de que o zika vírus poderia estar causando o aumento de casos de microcefalia. “Depois que veio à tona na televisão e jornais que foi cair a ficha que ela podia ter sido causada pelo zika”.
Em um momento difícil de saúde pública do Rio de Janeiro, com muitas greves, Robson e Raquel tiveram de pagar todos os exames para identificar o problema no bebê. “E a gravidez dela foi de alto risco”. Com a dificuldade de fazer o acompanhamento em Terezópolis, eles tiveram de se locomover até a capital para ter acesso aos médicos.
Pedro Emanuel nasceu em 12 de fevereiro, com 49 centímetros, 3,347 kg e 31,5cm de perímetro cefálico. Ficou uma semana internado na UTI neonatal.
O amor pelo bebê é nítido. “Para nós, ele é uma criança normal, apesar de a medicina não achar. Nós o amamos muito, com certeza”, declara o pai.
Robson conta que Pedro Emanuel toma um remédio para evitar convulsões, e uma vitamina. Um dos braços do bebê ainda não responde aos movimentos normais para a idade. Dentro de três semanas, no entanto, eles devem começar o tratamento multidisciplinar no Rio de Janeiro.
"Cremos que Deus dá a cruz que podemos carregar, então nessa dificuldade estamos fazendo o nosso melhor. Ele é observado por nós 24h por dia, qualquer chorinho já estamos em cima para ver a reação", conta o pai.
“Luto pelo filho ideal e construção de vínculo com o filho real”
Neuropsicóloga e especialista em cuidados com crianças com deficiência, Débora Moss explica que toda mãe sonha com um bebê perfeito. “Quando o filho não tem nenhuma deficiência, é muito mais fácil o ajuste à rotina do bebê do que se imaginava com o que está na frente”, conta. Há casos de mães de bebês com microcefalia com dificuldade para se adaptar à nova vida.
“Quando o bebê nasce com alguma deficiência, acontece um processo de luto. É abrir mão do filho que se sonhava, que se tinha expectativa”, explica Débora, que também é mestre em psicologia do desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP). “É um luto pelo filho ideal e a construção desse vínculo com o filho real. Isso acontece com qualquer mãe."
O acompanhamento psicológico é necessário para muitas mães que passam por essa situação. “Há a fase de negação, exatamente como as etapas do luto. Fase da raiva, depois um processo de aceitação e até mesmo de resiliência”, detalha a neuropsicóloga.
Segundo Débora, o ideal é fazer psicoterapia em grupo, já que dessa forma o psicólogo pode fazer um acolhimento de todas as angústias das mães, e há também a troca de experiência entre elas. “Há mães que já passaram por uma fase e outras que estão vivendo aquela ainda, então há a troca de experiências”.
Ouvir e acolher os sentimentos de culpa, de revolta e de dificuldade de fazer vínculo com o bebê evita a superproteção ao bebê, que pode ser nociva para seu desenvolvimento. “É normal ter sentimentos de ‘amo e odeio’, ‘não aceito e aceito’, ‘amo do jeito que é e não amo do jeito que é’. Há muitos sentimentos assim e, muitas vezes para se proteger disso, a mãe cria uma superproteção que gera angústia para elas e prejudica o bebê."
Saiba mais sobre o zika vírus e a microcefalia:
Assim como a dengue e o chicungunya, o mosquito aedes aegypti é o transmissor do zika vírus. Foto: iStock
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Uma das dificuldades enfrentadas pelas mães de bebês com microcefalia é que, muitas vezes, a forma em que eles se desenvolvem é diferente das fases esperadas para um bebê sem microcefalia.
“Um filho sem deficiência, muitas vezes dá sinais claros para a mãe nessa comunicação. Ele passa a falar em algum momento, consegue se comunicar”, explica Débora.
“Quando o bebê tem microcefalia, dependendo do grau ele tem mais dificuldades, às vezes a forma de se comunicar é não verbal, e muitas vezes não é rápida”, diz ela, ressaltando que cada bebê tem seu tempo.
“É uma criança que não tem nenhuma referência”, diz a psicóloga, explicando que, quando o bebê não tem microcefalia, se espera que ele aja de algumas formas em determinadas fases da vida.
“Não é algo que a mãe vê no primo ou sobrinho, que, quando tem alguma dúvida sobre o desenvolvimento da criança, vai na comadre, na vizinha ou na internet”, diz. No caso da microcefalia, explica a psicóloga, o bebê é único.
O acompanhamento psicológico para a família que cuida do bebê é importante para estabelecer um bom vínculo e livrar a mãe de qualquer tipo de culpa ou dificuldades. Além disso, o seguimento com uma equipe multidisciplinar é fundamental.
“É um trabalho com a criança e com a família. Ela vai ser avaliada para ver o que precisa naquele momento de vida dela. Conforme vai crescendo, outras demandas vão surgindo”, completa.
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