Pequeno país europeu, cuja população é de menos de 400 mil pessoas, foi visitado por mais de 1,7 milhão em 2016.
A menina deposita uma imensa quantidade de lama branca nas mãos de uma amiga, que sorri enquanto vê o material escorrer de volta para a água. Há dezenas de pessoas em volta, imersas até o pescoço em uma imensa piscina relaxante de água quente.
Estamos em novembro, e a temperatura exterior é de zero grau, mas a Lagoa Azul é um banho quente - um termômetro digital mostra que a temperatura da água é de 38°C. Frequentadores fazem máscaras de lama e tiram selfies usando smartphones em sacolas impermeáveis.
A Lagoa Azul é conhecida por quem visita a Islândia. O imenso tanque artificial, aquecido por uma usina geotérmica, é particularmente impressionante à noite. Nuvens de vapor sobem em direção ao céu enquanto multidões de turistas britânicos, franceses, americanos, russos e chineses relaxam na água.
As águas quentes da Islândia são populares há bastante tempo, mas o número de pessoas visitando a ilha europeia cresceu de forma dramática nos últimos anos. A população islandesa é de apenas 330 mil pessoas, mas no ano passado o país recebeu cerca de 1,7 milhão de visitantes. E o número continua crescendo.
Esse boom de turismo pegou a Islândia de surpresa - e está mudando esse outrora isolado país de maneiras interessantes.
Aposta
Depois da crise global de 2008, o valor da coroa islandesa despencou. Como parte da recuperação econômica, o país concentrou esforços nas divisas proporcionadas pelo turismo. Mas mesmo os responsáveis pela campanha se surpreenderam com a resposta.
"Ninguém esperava o que estamos vendo", diz Inga Pallsdottir, da Promote Iceland, uma agência de promoção internacional da ilha.
A Islândia, na verdade, é um exemplo de diversas mudanças ocorrendo no mundo: uma ênfase na indústria de serviços como o turismo, que atualmente provê um em cada 11 empregos no planeta; flutuações em economias nacionais que têm efeitos internacionais; e o impacto de viagens aéreas mais baratas.
Mas o aumento no número de visitantes se deve também a uma maior exposição da Islândia. O país esteve frequentemente no noticiário internacional nos últimos anos. Houve a crise financeira que derrubou o sistema bancário e jogou o país em um caos político. E ainda as erupções do vulcão Eyjafjallajökull em 2010, que cancelou voos ao redor do mundo.
E, no ano passado, a seleção islandesa encantou amantes do futebol ao redor do mundo quando disputou pela primeira vez a Eurocopa e chegou às quartas de final, eliminando no caminho a Inglaterra.
Mas um dos principais fatores de exposição foi a oferta de passagens de baixo custo para voos partindo da Europa e dos EUA. O número de passageiros no Aeroporto Internacional de Keflavík tem crescido regularmente nos últimos dez anos. Apenas em 2016, foram quase sete milhões de pessoas passando pelo terminal, um aumento de 40% em relação ao período anterior.
Uma estratégia promocional ajudou: a companhia Icelandair passou a oferecer paradas em Reykjavík em voos transatlânticos. David Goodger, analista da firma Oxford Economics, explica que isso criou uma oportunidade para turistas. "Passageiros interrompem suas viagens para passar algumas noites na Islândia. A empresa fez um belo trabalho para vender a ideia."
Reflexos
O efeito da chegada dos turistas é visível, especialmente em Reykjavík.
"Essa área que você está vendo era abandonada durante a crise", conta Palsdottir, apontando para o lado de fora de um hotel de luxo da capital.
Em outras partes, segue o trabalho para cuidar das hospedagens. Um novo hotel cinco estrelas da rede Marriott vai abrir em 2018. No aeroporto, um cartaz informa aos passageiros sobre uma expansão de 7 mil metros quadrados. Até a Lagoa Azul está sendo ampliada.
A gama de atrações também está crescendo. Em 2014, um novo passeio foi criado para levar turistas a passeio por um túnel cavado em uma geleira. No ano seguinte, 22 mil pessoas visitaram o local, 50% a mais que o esperado.
Mas essa turma precisa comer, e um dos principais desafios da indústria alimentícia local é atender às demandas de turistas que esperam poder pedir de tudo - e para "ontem".
Isso não é nada fácil na Islândia, que importa a maior parte dos alimentos que consome. E isso ficou especialmente difícil depois da desvalorização da coroa - um impacto disso foi o fechamento das três filias do McDonald's do país, depois de os custos de importação dos ingredientes dispararem.
Mas até isso virou atração: uma refeição de hambúrguer e fritas comprada em 30 de outubro de 2009, um dia antes do fechamento dos restaurantes, fica exposta em um hostel de Reykjavík e turistas podem tirar fotos a seu lado. Mesmo quem não puder ir à Islândia pode acompanhar a webcam ao vivo.
A redução nas importações também teve um lado bom. Islandeses se dedicaram à produção local de frutas e vegetais, usando estufas alimentadas com energia geotérmica. Uma fazenda local até abriu um restaurante.
O outro lado
Muitos negócios se beneficiaram do turismo, mas nem todo mundo está feliz. Moradores de Reykjavík temem que a cidade possa perder sua identidade com a proliferação de hotéis de metal e vidro. E o aumento da demanda por acomodação pode levar à especulação imobiliária.
Recentemente, por sinal, o governo decidiu limitar a quantidade de quartos oferecidos pelo Airbnb no país. A ideia era acalmar moradores de áreas como o centro de Reykjavík, que temiam aumentos no preço de imóveis e aluguéis.
Outra preocupação é com o impacto ambiental. Salome Hallfredsdottir, da Associação Ambiental Islandesa, conta que ficou chocada com a quantidade de carros que viu estacionados durante uma recente visita a Landmannalaugar, um campo de lava fossilizada nas Highlands Islandesas.
Ela se preocupa especificamente com o impacto nas Highlands, que ela afirma ser "o único pedaço de vida de selvagem ainda intacto na Europa". Há um imenso debate no país sobre a necessidade de transformar a região em área preservada.
Há preocupação especial com os veículos off-road. "Basta que apenas um motorista deixe marcas para que outros pensem se tratar de uma rota oficial", diz Hallfredsdottir.
Os danos causados às formações rochosas e plantas podem ser consideráveis. "Não queremos que todas as partes das Highlands sejam acessíveis."
Ela quer um aumento no número de guardas florestais para orientar turistas e também intervir na prevenção de poluição ou comportamento negligente.
Mas isso demanda verbas: a mais recente proposta, a criação de um taxa compulsória de US$ 14 como ingresso em parques nacionais foi derrubada pelo Parlamento em 2015. Hoje, as pessoas pelo menos pagam pelo estacionamento em um dos mais populares parques nacionais, o Thingvellir.
Mas defensores do turismo acreditam que as visitas podem ter um impacto positivo no geral. "Todos nos beneficiaremos no longo prazo. Teremos melhores estradas e melhores trilhas", diz Pallsdottir.
Dependência arriscada?
A Islândia poderia, porém, estar caminhando para uma "bolha" do turismo?
O setor hoje compete com a pesca pelo título de principal motor econômico do país, movimentando cerca de 23% do PIB, o dobro do registrado em muitos países europeus. Variações cambiais são um risco: recentemente, uma valorização da coroa junto ao dólar e à libra esterlina aumentou o custo de viagem para dois dos principais grupos de visitantes - americanos e britânicos.
"Nossos modelos mostram que há um relacionamento claro entre movimentos de câmbio e o desempenho do turismo", afirma David Goodger, da consultoria Oxford Economics.
As recentes projeções são de que a indústria do turismo seguirá crescendo no país, mesmo que diminua o ritmo. Mas isso não é garantido.
"Grandes variações cambiais podem atrapalhar isso. Se a Islândia ficar cara demais, poderemos ver o processo de crescimento ser revertido."
Em outras palavras, a bonança do turismo, que ajudou a fortalecer a coroa, pode reverter o processo se a cotação da moeda subir muito.
Pelo menos por enquanto, porém, a multidão não parece estar diminuindo.
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