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quarta-feira, 1 de julho de 2015

A minha fé

Por Taylla de Paula e Thamires Santos
Frequentemente associa-se religião a algo para pessoas mais velhas, e não é por acaso. Entre as crenças existentes no mundo, a idade média dos fiéis costuma ser maior que 30 anos, de acordo com o Pew Research Center, centro de pesquisas dos Estados Unidos. Os mais jovens são os muçulmanos e hindus, que possuem uma idade média de 23 e 26 anos, respectivamente. Já os judeus têm a média de 36 anos e os cristãos 30 anos.
No entanto, mesmo com a tendência de os adeptos terem mais de 30 anos, há aqueles que fogem desta estatística e vão em busca da fé. O CORREIO conversou com quatro jovens de diferentes religiões, para descobrir como a crença influencia suas vidas. Afinal, a juventude é uma época de descobertas. Para o professor e filósofo José Antônio Saja, a busca por uma crença, independentemente da religião, surge da necessidade de autoconhecimento. “Estar vivo é pouco, o homem precisa entender o que ele é. A noção de transcendência é isso”, diz o professor.
O judeu descolado
Tiago Rabin, 25
O artesão Tiago Rabin já nasceu quebrando as normas. Filho de mãe judia e pai cigano, o jovem acredita que “regras e costumes não são saudáveis, mas a fé sim”. Nas tradições judaicas, os seguidores só podem casar entre si – fundamento escrito no Torá, livro sagrado – mas a mãe do garoto apaixonou-se por um cigano quando ele viajava para comprar ouro em seu país. O amor foi tanto que ela decidiu mudar-se do Iêmen para o Brasil. Foi nesse universo com duas culturas totalmente distintas que Tiago cresceu.
“A religião é um modo de viver”, acredita Tiago Rabin. (Foto: Taylla de Paula)
Por conta da vivência em país ocidental, Tiago é um judeu Mizrahim – vertente originada nas comunidades do Oriente Médio – em que as formas de oração se assemelham com a dos muçulmanos. Durante a infância, passou por todos os rituais da tradição: fez circuncisão e teve um Bar Mitzvá aos 13, cerimônia que simboliza a passagem de um menino para a vida adulta. Hoje, o jovem continua se baseando nos conceitos e costumes da religião, mas opta por não frequentar a sinagoga. Lá, ele sofre preconceito por não ter pai judeu. “Isso é mal visto dentro da comunidade judaica”, lamenta.
As pausas em sua rotina para realizar três orações diárias não impedem Tiago de viver como qualquer outro jovem soteropolitano. Ele gosta de festas, tem uma banda de reggae e não se priva em paquerar mulheres que não seguem sua religião. Quando sai com os amigos, só não pode saborear um cheesburguer com bastante queijo, porque, segundo leis judaicas, misturar leite ou seus derivados com carne não é permitido. Também não pode comer carne de porco ou frutos do mar, além de outras restrições. Sua alimentação é kasher, termo que designa as comidas autorizadas e preparadas de acordo com os costumes do povo judeu. Com seu jeito descontraído, ele brinca dizendo que seguir a alimentação não é difícil. Afinal, “Coca-Cola é kasher”.
Ser filho de pais com culturas distintas não é a única característica do jovem artesão que foge de algumas ideologias dos judeus. Ele tem a estrela de Davi tatuada no peito e no braço esquerdo, a frase “Ouve Israel. Eterno é nosso D’us. Eterno é um”, em hebraico. Por conta disso, não vai poder ser enterrado em cemitério judeu. Questionado sobre essa decisão de fazer a tatuagem, mesmo sendo proibida pela religião, Tiago diz que teve desejo de fazer e fez. Para ele, “Deus não vai me jogar no mármore de fogo porque fiz uma tatuagem”, ainda acrescenta, “no judaísmo nem existe inferno. Esse é um conceito cristão usado como forma punitiva”, sorri.
Jovem em missão
Marina Cerqueira, 21

Com um sorriso no rosto e uma cruz no pescoço, Mariana Cerqueira, conhecida pelos amigos como Nina, encontrou a reportagem do CORREIO na lanchonete do centro Shalom. Apesar de não parecer uma igreja tradicionalmente católica, o Shalom – que significa paz perfeita – é uma comunidade reconhecida pelo Vaticano desde 2007. Predominantemente formada por jovens, o centro de evangelização foi fundado por Moysés Louro de Azevedo Filho, em 1982 em Fortaleza (CE), juntamente com uma livraria e lanchonete, como uma tentativa de atrair os mais novos para a religião.
Nina frequenta o centro Shalom 5 vezes na semana. (Foto: Taylla de Paula)
A cruz de madeira em forma de T que Nina usa no pescoço se chama Tau, e representa a sua inserção na Comunidade Aliança, corrente na qual os integrantes têm a missão de evangelizar dentro do seu ambiente familiar, de trabalho e de estudos. Embora tenha crescido em uma família católica, ela não costumava seguir os preceitos da religião. Foi aos 16 anos, após um convite do irmão para conhecer a comunidade, que a jovem começou a despertar o interesse pela crença.“Sempre pensava que na igreja só tinha pessoas mais velhas. Na primeira vez que entrei no Shalom, tomei um susto quando vi tantos jovens”, relata.
Nina conta ter passado por uma fase rebelde entre seus 14 e 16 anos. Ela gostava de festas e costumava beber cerveja e tequila quando estava na companhia de amigos na balada. Hoje deixou as festas e a bebida de lado e fez voto de pobreza, obediência e castidade, indispensáveis no vínculo com a comunidade. “Não me encontro mais na vida que tinha, meu corpo agora é um templo do Espírito Santo, meu corpo é sagrado”.
Apesar das restrições que os votos impõem, Nina garante que eles não a impedem de viver e consumir como qualquer outro jovem. Inclusive, durante a entrevista, ela dá uma espiada nas mensagens do Whatsapp em seu smartphone. Na verdade, voto de pobreza significa dar todo o mês 10% do seu salário para a comunidade.Em relação a escolha de esperar o casamento para ter relações sexuais, a jovem católica acredita que o amor e a fé são sentimentos fortes o suficiente para segurar os desejos. “Temos a visão de que sexo é prazer, mas precisa existir um amor antes. O tempo de espera demonstra esse amor. Se a pessoa te ama, ela vai esperar”. A jovem frequenta o centro de evangelização cinco vezes na semana. E, aos sábados,coordenada um grupo de jovens chamado geração. Os encontros servem para momentos de oração e apresentação de palestras voltadas para religião.
Arte e fé
Francisco Brasil, 21

Foi a mudança para Salvador que apresentou o candomblé ao artista plástico Francisco Brasil. Criado por pais católicos, ele frequentou a igreja durante sua infância mas não se identificou com os posicionamentos da instituição. Sua curiosidade por religiões de matriz africana foi despertada pelo trabalho do artista Carybé, que representava os rituais afro-brasileiros em sua arte. A aceitação da religião veio através da música. Ele lembra que os discos de Maria Bethânia lhe serviram de inspiração.
(Foto: Taylla de Paula)
Em suas mãos, Francisco segura sua representação de Iansan Bagan. (Foto: Taylla de Paula)
Quando decidiu se aproximar mais da religião, voltou para sua cidade de origem, Santa Luz, interior da Bahia, para “recomeçar onde sua essência brotou”. Foi lá que conheceu a Umbanda, religião formada por elementos católicos, espiritas, da cultura africana e indígena. Na primeira festa do terreiro, teve experiências muito fortes – sentiu a aproximação e passagem de suas entidades – e descobriu que já trazia uma carga energética dentro de si, por conta de uma entidade em sua ancestralidade familiar. Para ele, a curiosidade pela religião não foi por acaso.
As vertentes da umbanda são muitas, e seus fundamentos variam dependendo da casa. A que Francisco pertence, o Terreiro da Nanã, ministrado por Mãe Kelina, tem fortes influências do candomblé. Mas em seu quarto, Francisco tem um altar com imagens de santos católicos – o sincretismo está presente em sua fé. Apesar de ainda não ter passado pela iniciação, a religião modificou a forma de lidar com a vida. “Passei a ver o mundo de uma forma mais madura, trabalhar mais a minha energia e zelar por mim e por outros. A função do axé é usar as energias para o bem”, explica.
Para Francisco, é preciso ter coragem para assumir uma religião que provoca um preconceito muito grande na sociedade. Mas para ele, a aceitação foi um passo fundamental em sua vida. Após o contato com o terreiro, suas relações familiares melhoraram, além da aceitação de sua sexualidade e mudança de levar a vida. Ele, que quase morreu por conta de bebida, aprendeu a respeitar os seus limites. “A religião me deu muitos ensinamentos, ela guia o meu caminho”, diz o artista.
Em sua arte, é possível perceber uma forte influência dos santos e orixás. Ele admite que se descobriu artisticamente depois de suas experiências na religião, e que hoje, seu papel com a arte é enaltecer as energias que sente no terreiro de sua cidade natal. “Muitos pensam que estar no Candomblé e trabalhar (os conceitos) artisticamente é um atalho, mas não é! Um santo que desenho não é algo puramente imagético. Estou colocando minha fé ali, os meus sentimentos”.
Paz interior
Bárbara Soeiro, 18 anos

A afinidade com os conceitos budistas começaram cedo na vida de Bárbara Soeiro. Mesmo sendo criada no catolicismo pela mãe, teve contato com crenças orientais devido a convivência com a família por parte de pai. Praticante de ioga desde os 8 anos, a tímida garota revela que ficava incomodada com a forma das pessoas enxergarem Deus. Para ela, a concepção do divino não está atrelada a julgamentos e punições.
Bárbara pratica técnicas de respiração e meditação todos os dias. (Foto: Taylla de Paula)
Apesar de não acreditar no Deus concebido pelo catolicismo, a jovem não deixava de perceber a existência de algo especial ao olhar para a natureza, os animais e insetos. Para Bárbara, “Deus está manifestado em todas as coisas, inclusive na gente”. Ela segue o panteísmo, crença que afirma que tudo e todos compõem o divino. Popularizado dentro das doutrinas ocidentais, o conceito serve mais como corrente filosófica do que uma religião propriamente dita.
O que a garota mais preza na vida é sua busca pela paz interior. Ela também segue alguns pensamentos budistas, e acredita que todos nós temos uma luz que pode ser alcançada através da meditação. “Como Deus está dentro da gente, o caminho da paz está no contato com o nosso próprio corpo”.
E é usando parte do corpo, que Bárbara aplica o Reiki – prática espiritual que capta energia do universo e transfere para as pessoas através das mãos. “Entendemos que o corpo é dividido em chakras e a doença é falta ou muito acúmulo de energia em algum dos chakras. O Reiki equilibra essa energia”, explica.
Instrutora de ioga para crianças de 5 a 7 anos aos sábados, Bárbara medita e faz práticas de respiração todos os dias. Mas suas concepções espirituais não provocam privações em seu cotidiano. Segundo ela, pode fazer de tudo, contando que respeite os limites de seu corpo. Bárbara acredita que religião não serve como forma de alienação ou burrice, como costuma pensar os jovens. Ela garante que a espiritualidade é essencial para o equilíbrio e autoconhecimento.

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