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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Por dentro da engrenagem dos homicídios no Brasil

Por Bruno Paes Manso, Núcleo de Estudos da Violência da USP
 
 (Foto: Arte/G1) (Foto: Arte/G1)
(Foto: Arte/G1)
É segunda-feira, dia 21 de agosto. Amanhece em Benedito Bentes, um dos bairros mais violentos de Maceió. O corpo do adolescente Ítalo Arthur Santos, de apenas 15 anos, está no meio da rua. A grande quantidade de perfurações indica que o assassino tinha a convicção de que o garoto devia mesmo morrer.
Ainda na segunda-feira de manhã, perto das 9h, assassinos invadem a casa de Francisco Diego Alves Veras, de 22 anos, para executá-lo no bairro do Barroso, que concentra boa parte das mortes violentas de Fortaleza. A vítima vinha sendo monitorada por tornozeleira eletrônica. Os criminosos chegaram de surpresa e impossibilitaram qualquer possibilidade de reação. Depois dos disparos e da missão cumprida, todos conseguiram fugir.
Começa mais uma semana no Brasil. Sem muito alarde, logo no primeiro dia, antes do almoço, mais de 50 pessoas já foram assassinadas. Conforme as horas passam, novos homicídios acontecem de norte a sul do País – na média, um homicídio a cada oito minutos.
A maioria das vítimas é jovem, parda ou negra, moradora das diversas quebradas do Brasil, quase sempre bairros pobres, de urbanização recente. Nada que provoque comoção pública, manchetes nos portais ou discussões nas redes sociais, como se fossem mortes já esperadas e invisíveis.
As 1.195 histórias de mortes violentas colhidas pela reportagem do G1 ao longo de uma semana, em todos os recantos do Brasil, na estreia da parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, permitem conhecer mais de perto o funcionamento das engrenagens de violência que não param de rodar para produzir um número crescente de homicídios no País.
Por que tanta gente se mata? Quais são as razões desses assassinos? Apesar da imensa variedade de motivos por trás de cada uma das mortes, o que mais chama a atenção é a grande quantidade de casos com características de execução, como os dois descritos no começo do texto.
Neste tipo de ocorrência, o autor chega ao local do crime, sozinho ou em grupo, com o objetivo de matar o desafeto e depois fugir. Age, muitas vezes, de noite ou de madrugada, quando não há testemunhas. Apenas o corpo é encontrado com furos de bala de manhã.
Esse procedimento significa que boa parte dos autores não age por impulso, nem por loucura, nem porque estava bêbado ou sob efeito de drogas. Eles matam e sabem o que fazem, tiveram tempo para pensar e calcular antes de executar a vítima. Naquelas circunstâncias em que agiram, enxergavam o assassinato como um instrumento para resolver seus conflitos. Acreditavam que o homicídio era a melhor solução para seus problemas.
Na noite de 24 de agosto, em Nísia Floresta, na Grande Natal, onde fica a Penitenciária de Alcaçuz, Raul Victor de Carvalho Silva, um jovem de 20 anos, foi morto a tiros enquanto dirigia sua moto. Ele foi perseguido por dois garotos que estavam em outra moto e que dispararam três vezes nas costas de Raul antes de fugir. Independentemente dos motivos, os assassinos haviam decidido que Raul deveria morrer. Depois, foram à caça e o executaram.
Essa crença compartilhada por indivíduos ou grupos de que os assassinatos fazem parte de seu repertório de escolhas cotidianas produz um efeito multiplicador de homicídios, presente nos bairros mais violentos do Brasil. Conforme os assassinatos se repetem e os autores continuam soltos, tiranias privadas vão se formando. Como as autoridades públicas não interferem, por incompetência ou falta de vontade política, outras pessoas ou grupos reagem e passam a matar para não ficarem sujeitos ao poder dos assassinos. Cada homicídio tem a capacidade de produzir vinganças, criando uma engrenagem que se retroalimenta.
Segundo dados do Atlas da Violência, em apenas uma década, entre 2005 e 2015, oito estados brasileiros registraram crescimento nas taxas de homicídios acima de 100% de jovens entre 15 e 29 anos. Os homicídios se disseminam como se fossem uma ação contagiosa. O crescimento vertiginoso das taxas de assassinatos nas capitais mais violentas é uma das principais características desse fenômeno no Brasil.
A tolerância a esse tipo de crença acaba servindo como base para a consolidação da Lei da Selva nas quebradas mais violentas, em que sobrevive o mais forte. Esses bairros se tornam hot spots ou pontos quentes, nome dado aos lugares com proporção de homicídios muito acima da média do resto da cidade. Neste ambiente, ser mais forte não significa ter mais técnica, coragem ou habilidade. Basta apenas estar disposto a puxar o gatilho antes de ser morto.
Na manhã de sábado do dia 27, no município de Caucaia, na Grande Fortaleza, Daniel Silva de Abreu chegou de moto para matar Francisco Breno Araújo Barbosa e Marcelo Moura Vieira, de 16 anos, perto da linha do trem. Horas depois, ele foi preso, com uma pistola e munições. Na delegacia de Caucaia, ele afirmou aos policiais que matou os dois porque vinha sendo ameaçado. Segundo o assassino, ele praticou o homicídio “antes que pudesse sofrer algum atentado”.
O problema se agrava quando os policiais, muitas vezes despreparados para lidar com a situação, passam também a matar para tentar exercer o controle desses territórios. Isso pode ocorrer de forma oficial, nos chamados autos de resistência, ou de forma extraoficial, por meio de grupos de extermínios, presentes em muitas grandes cidades brasileiras.
Nessa semana de agosto, pelo menos 61 mortes aconteceram em supostos confrontos de suspeitos com policiais, o que representa 5% do total de homicídios. Nesses casos, segundo a versão apresentada pelos policiais nas reportagens, os homicídios foram praticados em legítima defesa, depois que o policial foi recebido a tiros.
Casos como o ocorrido na madrugada de 21 de agosto, no município de Pojuca, na Grande Salvador, quando dois homens foram mortos em suposto confronto com a polícia. Segundo a versão dos policiais, eles receberam denúncia de que traficantes estavam vendendo drogas no bairro Pojuca II. Eram 3h da madrugada de segunda-feira. Mesmo assim, eles decidiram ir até o local do crime para fazer o flagrante e acabaram matando Rafael França de Jesus, de 19 anos, e William de Santana Palma, de 21 anos.
O desinteresse coorporativo na investigação de grupos de extermínio, que contam com a presença de policiais locais, muitos deles seguranças privados nos períodos de folga, dificilmente vêm à tona. No Rio de Janeiro, produziram as milícias, cujas sementes foram identificadas em outros estados investigados pelos policiais federais.
A grande quantidade de homicídios com características de execução é a informação mais assustadora que aparece no esforço de reportagem do G1 sobre as engrenagens da violência no Brasil. Pessoas que matam em defesa dos próprios interesses ou de seus grupos desafiam o papel do Estado de exercer o monopólio da força em defesa das leis e do pacto social. Enquanto as autoridades fingirem que o problema não existe, eles continuarão fragilizadas, restando para a população desses lugares ficar em silêncio, oprimida pela violência, torcendo para não ser o próximo morto da lista.
 (Foto: Arte/G1) (Foto: Arte/G1)
(Foto: Arte/G1)

Governos em crise e conflitos entre facções

Dois grandes grupos de estados estão enfrentando maiores problemas com a violência no Brasil este ano: aqueles onde aumentaram os conflitos entre facções rivais, principalmente depois das rebeliões nos presídios no começo do ano, como Rio Grande do Norte, Amazonas e Ceará; e os estados que viram suas políticas de segurança bem-sucedidas serem desmontadas, casos do Rio de Janeiro, Pernambuco e Espírito Santo.
Ao longo da semana de 21 e 27 de agosto, o estado do Ceará, por exemplo, registrou 128 mortes, a maior quantidade entre todas as 27 unidades da federação. Casos nebulosos como o assassinato de Bruno dos Santos Morais, de 24 anos, que foi perseguido por homens que estavam em um Gol, antes de ser executado com tiros nas costas e morrer no meio da rua.
Apesar dos momentos de tensão no sistema penitenciário no começo do ano, o Ceará não foi palco de massacres nas prisões. Em compensação, a rivalidade entre os grupos organizados nas prisões tem contribuído para diversos conflitos nos bairros e cidades do Estado. Os embates estão concentrados principalmente entre a quadrilha local, os Guardiões do Estado, aliados do Primeiro Comando da Capital, e o Comando Vermelho, que atua em parceria com a Família do Norte.
Os desafios entre as gangues e os conflitos são cantados e narrados em vídeos e proibidões na internet, que se espalham em pelo menos 20 páginas do Facebook.
Na mesma semana de agosto, o Rio Grande do Norte registou 65 homicídios. Já a cidade de Natal, que no ano 2000 tinha uma média de 6 homicídios por mês, contabilizou 17 mortes violentas na semana (uma delas um suicídio). Em janeiro, rebelião no presídio de Alcaçuz, em Nísia Floresta, provocou a morte de 26 pessoas.
Na noite de 24 de agosto, Diego Nascimento de Oliveira saiu para fumar em frente à sua casa no bairro de Igapó, em Natal, um dos bairros mais violentos da cidade. Sua namorada, que presenciou a execução, pouco pode esclarecer.
Os casos são de difícil investigação, já que as próprias testemunhas, com toda a razão, acabam temendo também serem mortas como queima de arquivo. Nos presídios, as rixas ocorrem entre o Sindicato RN, gangue local, contra criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital, responsáveis pelo massacre de Alcaçuz.
Amazonas, outro estado palco de rebelião este ano, com 56 mortes, também viu a violência crescer na primeira metade do ano. Na semana de agosto, registrou 20 mortes, sendo 16 na capital. A violência chegou até mesmo a produzir conflitos dentro da Família do Norte, que provocou o massacre no começo do ano e depois rachou.
É uma das poucas cidades onde as gangues chegam a passar recados diretos e claros por meio dos assassinatos. Como o ocorrido em 25 de agosto, na madrugada de uma sexta feira. Um corpo não identificado, enrolado em um saco plástico, foi encontrado num terreno baldio do bairro de Santa Etelvina, com marcas de tortura. A vítima foi espancada nas mãos, pernas e cabeça, teve os olhos e nariz arrancados e morreu estrangulada, com uma corda no pescoço. Ao lado do corpo, havia um bilhete com frases e siglas de facções criminosas. “Sal nos safados, PCC é sal FDN e CV puro”.
No outro grupo, estão os estados que tinham implantado políticas de segurança públicas bem-sucedidas na redução de homicídio e que viram seus modelos desmoronarem. Pernambuco, por exemplo, registrou 87 mortes. Entre os anos de 2008 e 2013, o estado vinha tendo quedas consistentes nas taxas de homicídios, quando o então governador Eduardo Campos implantou o Pacto pela Vida, uma série de ações integradas para diminuir os homicídios no Estado.
As mudanças políticas depois de sua saída do governo, em 2014, e a fragilização da autoridade estadual parecem dar o sinal na cena do crime de que a lei do mais forte voltou a prevalecer. Os voltam a fazer parte dos conflitos, desequilibrando a cena e produzindo o efeito multiplicador.
No dia a dia, surgem casos como uma execução feita por quatro homens em uma caminhonete de luxo em uma estrada rural em Jucati, no agreste de Pernambuco. A vítima foi Ediclécio Falcão de Melo, de 25 anos. Na terça-feira, no começo da tarde, às 14h, em Jaboatão do Guararapes, na Grande Recife, o dono de um bar estava vistoriando as obras de seu estabelecimento quando três homens desceram do carro e o executaram.
Mesmo ser saber os motivos dos autores, essas ocorrências mostram que os homicídios voltaram a ser usados como um instrumento para solucionar conflitos.
Situação semelhante ocorre com o Rio de Janeiro, pós-prisão de Sérgio Cabral, crise fiscal e fragilização das UPPs. A capital registrou 30 ocorrências, três vezes mais que os 10 casos de São Paulo. Sete dessas mortes foram em autos de resistência, o que representa quase uma em cada quatro, dando sinais de que a velha estratégia de guerra ao crime voltou a ganhar fôlego. Entre 2005 e 2015, o estado havia sido o segundo a registrar maior queda de homicídios (-36,6%), atrás apenas de São Paulo (-44,4%). A situação se inverteu em 2016 (+20%) e continuou crescente no primeiro semestre deste ano.
Já o Espírito Santo, com 28 mortes na semana, é o terceiro a enfrentar revés em sua política de segurança. Acostumado a liderar o ranking da violência no Brasil, vinha conseguindo diminuir suas taxas desde 2010, alcançando no ano passado as taxas mais baixas da história. Neste semestre, depois da traumática greve da polícia em fevereiro, a situação parece ter se complicado e o semestre fechou com tendência de alta nos homicídios.
Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador do NEV-USP

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