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domingo, 20 de setembro de 2015

Cerca de 13% dos pais já tiraram os filhos de escolas particulares, aponta estudo

Estudo ouviu, no final do primeiro semestre, 2.002 pessoas com 141 municípios, entre eles Salvador
Priscila Natividade (priscila.oliveira@redebahia.com.br)
Atualizado em 20/09/2015 12:45:14
  
A queda do poder de compra e o aumento do nível de endividamento por conta dos reflexos da inflação estão interferindo na capacidade das famílias de manter seus filhos no ensino privado. De acordo com dados da Secretaria de Educação Estadual da Bahia,  nas escolas estaduais, dos 934.097 mil alunos matriculados este ano, pelo menos 14.198 deles vieram de escolas particulares. No ano passado, foram 11.681 transferidos, um aumento de 21,54%. Só em Salvador, este ano foram feitas 5.735 matrículas de alunos que eram de escolas particulares na rede pública estadual. 
Esse movimento reflete a situação econômica do país. Um estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que ouviu, no final do primeiro semestre, 2.002 pessoas em 141 municípios, entre eles Salvador, indica que 13% dos entrevistados transferiram os filhos da escola particular para a escola pública na tentativa de salvar as contas. 
Com o desemprego do marido, a família da fisioterapeuta Carla Chilena está se esforçando para manter a filha matriculada na escola particular
(Foto: Marina Silva/CORREIO)
Para a economista responsável pela pesquisa Maria Carolina Marques, até chegar a uma atitude mais drástica de trocar o filho de escola, o brasileiro tenta cortar antes outras despesas.
“Ele passa a pesquisar mais os preços, reduzir as despesas da casa e as atividades de lazer. Quando ele chega na escola particular é porque realmente não está tendo condições de arcar com o este compromisso”, explica. Ainda que seja uma despesa que faz a diferença no orçamento familiar, para a economista, a educação continua sendo prioridade. “Por isso, os pais relutam tanto em cortar. A escola costuma ser uma prioridade para a família, mas pesa muito no orçamento”, acrescenta.
Orçamento apertado 
A fisioterapeuta Carla Chilena sabe bem o sacrifício que tem feito para manter a filha de 6 anos na escola particular, mesmo após o marido ter perdido o emprego em janeiro. “De lá para cá, as contas ficaram comigo. A gente paga sempre um mês sim, outro não. Com fé em Deus, ele vai voltar a trabalhar logo para conseguirmos equilibrar as contas e garantir a matrícula dela no ano que vem”, conta.
Carla trabalha como autônoma e faz atendimentos em domicílio. A fisioterapeuta paga R$ 280 pela mensalidade escolar da filha. Nas despesas, os cortes já passaram pelas atividades de lazer, viagens e até mesmo pela lista do supermercado. “A gente tem feito de  tudo para que ela continue estudando na escola particular, principalmente porque está na fase de aprender a ler e, por isso, tento mantê-la numa escola que é mais puxada onde ela pode se desenvolver melhor”. 
Se até o final do ano não conseguir negociar a dívida, vai apelar para a direção da escola. “Se apertar mais, vou ter que chorar um pouquinho, pedir desconto para a diretora. Mas preciso segurar minha filha em uma boa escola”.
InadimplênciaMesmo não tendo ainda dados precisos de como estão os índices de inadimplência nas escolas particulares, o consultor da diretoria do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinep), Jaime David Cardoso, prevê que os números deste ano serão mais significativos do que no ano passado, quando só no mês de agosto foi registrada uma taxa de 21,20% de inadimplência nas mensalidades de escolas privadas baianas.
“Os números ainda estão sendo levantados e provavelmente só teremos a consolidação deste índice em outubro. Mas mesmo assim, acreditamos que a situação será ainda mais crítica, já que a crise tem atingido todos os setores”, analisa. Ainda que inadimplentes, os pais seguram os filhos na escola até o final do ano letivo. “Só no ano que vem é que eles fazem a transferência de instituição em busca de uma escola mais em barata”.
O diretor-geral da Associação Brasileira de Educação Familiar e Social (ABEFS), mantenedora do Colégio Isba e da Faculdade FSBA, Luiz Carlos Pereira, afirma ter percebido uma inadimplência maior este ano do que a média histórica das instituições, que é de 9%. 
“Nós temos alguns pais que têm nos procurado com este problema, mas ainda não é uma alarme para a escola. No entanto, até o momento, acho que a inadimplência tende a ser maior. No mês de agosto, a nossa inadimplência chegou a 15%. Talvez a gente feche o acumulado do ano com este mesmo índice”, aponta.
A escola reconhece que os pais passam por dificuldades. “A mesma preocupação que o pai tem, a escola também tem que ter. O que queremos é que ele mantenha o seu filho estudando, por isso sempre procuramos adequar a negociação a suas condições de pagamento”, afirma o diretor. 
O Isba, inclusive, dispõe de uma política de oferta de descontos e bolsas de estudo. “Após uma análise socioeconômica, alguns alunos chegam a conquistar uma bolsa integral de até 100%”.
Instituições menores também já esperam uma inadimplência maior. É o que assegura a diretora pedagógica da Escola Arco-Íris, localizada no Acupe de Brotas, Adriana Rosseto. Para ela, dívidas com cartão de crédito, empréstimos e cheque especial, muitas vezes, provocam o atraso no pagamento da mensalidade escolar. “Infelizmente, a escola é sempre a primeira a deixar de ser paga e a última a receber porque não podemos impedir que o aluno continue estudando, mesmo com a dívida. A escola sempre perde com a inadimplência”.
EsforçoAs duas prestações em atraso da escola do neto, que cursa o 4º ano, têm sido motivo de preocupação para a pedagoga Conceição Aparecida. Ao todo, os meses de julho e agosto, já acumulam uma dívida de R$ 1,7 mil. “O pior é que eu já estou angustiada com outubro, porque sei que não vou ter como resolver. Esse mês foi um dos mais apertados que eu já passei”, lamenta.
Para conseguir organizar as contas, Conceição já cancelou recentemente dois cartões de crédito. “O salário da gente não está acompanhando e infelizmente o nosso contracheque só tem desconto de empréstimo. Tive que fazer isso para ajustar tudo agora e conseguir matriculá-lo depois”.
A pedagoga aguarda ansiosamente pelo décimo terceiro para honrar com as parcelas em aberto. Trocar o neto para uma escola mais barata está fora dos planos. “A dificuldade existe, mas a gente está pensando no futuro. A formação dele é mais importante. Escola é um investimento necessário que eu não abro mão”, insiste a pedagoga.
Especialista aconselha rever gastos antes de negociarMais uma vez, o planejamento financeiro vai ser uma estratégia importante para sanar o débito e garantir a matrícula para o próximo ano, como garante o educador financeiro Rodrigo Azevedo. “Tudo começa na revisão da sua vida financeira. Rever tudo que está sendo gasto e a partir daí ajustar onde for possível”, recomenda. 
Para ele é importante identificar que item no orçamento está levando ao desequílibrio e a falta de recursos para honrar as mensalidades escolares. “Não tem como se livrar da escola, já que além de uma despesa fixa é também uma prioridade. Portanto é um compromisso que tem obrigação de caber dentro do orçamento”.
"Tente um diálogo franco com a instituição de ensino", aconselha o educador financeiro Rodrigo Azevedo
(Foto: Arquivo Pessoal)

Após fazer esta revisão nas despesas, é hora de sentar para conversar com a escola. “Busque junto com a escola uma solução para o problema. E não adianta fazer um acordo se você não vai ter como honrá-lo. Tente um dialógo franco com a instituição de ensino”, indica Azevedo. 
A supervisora de atendimento Vaneza Evangelista atrasou dois meses da mensalidade na escola onde o filho estuda porque ficou desempregada. Agora que voltou a trabalhar, ela está tentando negociar a dívida. “Como eu ainda estou ajeitando as coisas, pedi uma amortização nas multas e nos juros para deixar tudo no azul e manter ele na mesma escola no próximo ano”, conta. Vaneza paga R$ 1 mil para manter o  filho de 6 anos em turno integral. “A minha intenção é relamente pagar a dívida, mas a escola também precisa querer negociar”, completa.
Segundo o educador financeiro, Vaneza está no caminho certo ao buscar a renegociação antes do término do ano letivo. “Vale a pena começar a avaliar se a mensalidade cabe mesmo no seu bolso e buscar outras opções de escola dentro daquilo que pode arcar no próximo ano”.
Inadimplência no ensino superior chega a 43,5%Os universitários também têm sentido dificuldades em manter as mensalidades em dia, como aponta o Indicador de Inadimplência na Educação, medido pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Os cursos de ensino superior são o destaque do segmento e aparecem na frente com o maior número de dívidas em atraso, com participação de 43,5%. 
De acordo com o indicador, o número de pendências com instituições de ensino superior é quase três vezes maior que o número de pendências com as do ensino básico - educação infantil, fundamental e médio -  que registram na mesma pesquisa um índice de 15%.“O ensino superior tornou-se mais acessível à população da classe C nos últimos anos”, explica Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. 
“É importante ressaltar que o desemprego entre a população de 18 a 24 anos é de 16,2%, muito acima dos 6,4% da população em geral”, cita ainda a economista. No segmento educação, a variação anual da inadimplência foi de 4,3%, segundo o SPC.
Entre as regiões, o Nordeste é a segunda região do país com maiores índices de inadimplência na educação, com 21,2%. A região onde tem o maior número de dívidas escolares em atraso é o Sudeste, com 38,8%. A região Sul vem em terceiro lugar com 16,3% dos inadimplentes no mesmo segmento. 
A média de endividamento na educação está bem próxima da variação anual de crescimento das dívidas no Brasil, que, de acordo com o último levantamento do SPC, chegou a um crescimento de 6,7%. Ainda segundo Kawauti, com o aumento das dívidas, muitos jovens acabam deixando de cursar a faculdade, já que não conseguem arcar com o valor das mensalidades. “Com menor renda, os jovens que antes não estavam em busca de um emprego passaram a procurar um trabalho no lugar da faculdade e isso diminui diretamente os gastos com educação”, diz a economista.

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