O projeto, gravado no final do ano passado, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, foi transformado em nove plataformas
“O Nelson do Cavaquinho dizia: me dê flores em vida e depois que eu me tornar saudade, quero preces e nada mais”, cantarola Martinho da Vila. Em seguida, o sambista é categórico: “Homenagem tem que ser em vida”. A afirmação veemente endossa sua participação no Sambabook da grande dama do samba, Dona Ivone Lara, lançado pela Musickeria.
Dona Ivone Lara, 94 anos, é a homenageada da quarta edição do Sambabook (Foto: Guto Costa/Divulgação)
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Do alto dos seus 94 anos, Dona Ivone pôde acompanhar um retrospecto dos mais de 50 anos de sua trajetória musical interpretado por mais de 30 artistas na trabalho que reúne 25 sucessos da sua carreira. “Foi natural chegar ao nome da Dona Ivone Lara. Em uma visita na casa dela, tive a oportunidade de dizer que queríamos que ela fosse a próxima homenageada. Ela respondeu, sem pestanejar: ‘É claro que eu topo!’”, recorda o diretor artístico Afonso Carvalho.
O projeto, gravado no final do ano passado, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, foi transformado em nove plataformas: dois CDs, DVD, Blu Ray, especial de TV exibido no Canal Brasil, uma biografia escrita pelo jornalista Lucas Nobile e editada pela Sonora Editora, um fichário de partituras, um portal na internet, além de redes sociais e um aplicativo para uso em smartphones e tablets.
Mãe de dois filhos e avó de dois netos, Yvonne da Silva Lara se tornou matriarca de uma família ainda maior: o samba. Conquistou seu espaço em um tempo onde as mulheres eram presenças raras nas rodas de samba. Em 1965, junto com Bacalhau, que faleceu em 1970, e Silas de Oliveira (1916-1972), ela criou o samba-enredo Os Cinco Bailes da História do Rio, para a Império Serrano, e se tornou a primeira mulher a se juntar a ala de compositores de uma escola de samba. A Império Serrano foi campeã naquele ano.
Começo “Minha lembrança mais antiga de Dona Ivone Lara não tem propriamente a pessoa dela. Em 1965, eu passei o Carnaval no Rio e o Império Serrano saiu com Os Cinco Bailes da História do Rio. Nós estávamos na arquibancada e o desfile era lindo. E esse samba, eu aprendi nesse dia e nunca mais esqueci”, revela o cantor Caetano Veloso.
Cantado por Jorge Goulart (1926-2012), o hino que celebrou os 400 anos do Rio de Janeiro falava sobre os bailes do aniversário de 20 anos da cidade (1585), da transformação em capital (1763), da coroação de Dom João VI (1818), da Independência (1822) e do fim do Império (1889). No Sambabook, Wilson das Neves foi o responsável por atualizar o samba-enredo que colocou o nome de Dona Ivone Lara na história do Carnaval carioca.
Com os primos Tio Hélio (1903-2007) e Mestre Fuleiro (1912-1997), ela fez o seu primeiro samba: Tiê. A música, dedicada a um passarinho da espécie tiê-sangue que ganhou dos dois aos 12 anos, ganhou a voz do rapper Criolo.
Diogo Nogueira e Elba Ramalho são apenas dois dos mais de 30 artistas do projeto
(Foto: Guto Costa/ Divulgação) |
Em Delcio Carvalho (1939- 2013), ela encontrou o seu parceiro musical mais duradouro e foi com ele que compôs os seus maiores sucessos. Nasci Pra Sonhar e Cantar, interpretada agora pela portuguesa Carminho e o violonista Hamilton de Holanda; Acreditar, cantada pela voz doce de Vanessa da Mata; Minha Verdade, que ganhou a assinatura de Zeca Pagodinho; e A Sereia Guiomar, entoada pela paraibana Elba Ramalho, são algumas das canções que a dupla produziu.
Com Delcio Carvalho, Dona Ivone Lara criou os seus maiores sucessos, inclusive o xodó maior Sonho Meu (Foto: Reprodução)
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"Eu sonho com ele: ele ia lá em casa, ai eu cantava a música pra ele e ele ficava todo satisfeito. E ele, como ótimo letrista, na mesma hora botava a letra. Tô falando nele e tô com saudade dele", se emociona Dona Ivone Lara.
Sucesso
Do grande acervo que os dois compuseram, Sonho Meu é uma das mais queridas. O motivo: a música foi gravada pela grande amiga Maria Bethânia. Amigas em comum da cantora Rosinha de Valença (1941-2004), as duas costumavam passar tardes juntas cantando e trocando conversa fiada. Numa dessas, Bethânia escutou a sambista murmurar um refrão e se surpreendeu com o que ouviu.
Do grande acervo que os dois compuseram, Sonho Meu é uma das mais queridas. O motivo: a música foi gravada pela grande amiga Maria Bethânia. Amigas em comum da cantora Rosinha de Valença (1941-2004), as duas costumavam passar tardes juntas cantando e trocando conversa fiada. Numa dessas, Bethânia escutou a sambista murmurar um refrão e se surpreendeu com o que ouviu.
“Eu estava realmente procurando repertório, e na hora que eu estava indo embora, eu estava saindo e ela cantarolou: 'sonho meu, sonho meu...'. Eu disse: o que é isso Dona Ivone? E ela veio bonitinha: ‘não, é um sonho meu’. Com o jeitinho dela”, lembra a baiana.
Bethânia gravou sua canção e foi a primeira mulher a vender 1 milhão de cópias no país
(Foto: Guto Costa/ Divulgação) |
A gravação, presente no disco Álibi de 1978, levou Bethânia a atingir a marca de um milhão de cópias vendidas e ela se tornou a primeira mulher no Brasil a alcançar esse feito. “Na época que eu gravei a música de Dona Ivone foi o maior sucesso. E ela é um pouco dona disso tudo", avalia. No projeto, é ela mesma quem canta a faixa, que abre o disco, e depois ainda volta ao palco, dessa vez ao lado de Dona Ivone para uma celebração com todos os convidados.
Com a morte de Delcio, ela encontrou no neto André Lara e no cantor e compositor Bruno Castro seus novos companheiros de melodia. “Ela sempre me liga quando tem uma música nova. A mente dela está sempre produzindo alguma coisa nova”, conta o neto. Com Bruno ela até lançou o disco Nas Escritas da Vida, em 2010. O trio se juntou a Diogo Nogueira para fazer a música Amor Relativo, interpretada pelo sambista no projeto.
“Tive uma oportunidade muito especial de receber uma melodia iniciada por Dona Ivone, que depois finalizei em parceria com Bruno Castro e André Lara. É um privilégio ser parceiro dela e ainda ter podido gravar Amor Relativo no Sambabook em homenagem a ela”, afirma o cantor.
Para Alceu Maia, diretor musical, o Sambabook de Dona Ivone entrou para a história do samba. “A turma toda que estava ali para prestar essa homenagem e prestar esse aval a obra da Dona Ivone Lara era especial. E ela demonstrou que estava recebendo aquela homenagem com todo carinho e toda emoção”, garantiu.
A matriarca do samba (direita) ao lado de Cartola, Beth Carvalho e Nelson do Cavaquinho (Foto: Reprodução)
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