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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Dor na juventude

Lorena Souza e Tânia Araújo
Jovens contam como deram continuidade à vida após perda de amigos 
Cinco anos. Esse foi o intervalo entre duas perdas na vida da advogada Raísa Rios, 25 anos. Suas amigas Emanuelle Gomes, 23, e Evelyn Costa, 18, morreram em acidentes de trânsito. Quando soube de Emanuelle, a mais recente, em outubro de 2013, lembrou que teria que passar de novo pela dor da ausência repentina.
Raísa recebeu a notícia de Thiana Souza, 26, também advogada e amiga de Emanuelle. “Cheguei no escritório e abri o site do CORREIO. Aí vi a notícia com o nome deles. Minha pressão baixou na hora”, recorda Thiana. Emanuelle morreu com o irmão na avenida Oceânica, em Ondina. A moto em que os irmãos estavam foi atingida pelo Kia Sorento dirigido pela médica Kátia Vargas Leal, 45 anos.
Raisa, Emanuelle e Thiana (Foto: Arquivo pessoal)
Raísa e Emanuelle ficaram amigas apenas sete meses após a morte de Evelyn. “Elas se pareciam muito. Meus pais até ficaram surpresos, era como se fosse uma cópia. Acho que foi por isso que me aproximei muito dela”, conta.
Depois do acidente, o grupo de amigas se encontrou na casa de Amanda Gomes, 28, prima de Emanuelle. No dia seguinte,  foram ao cemitério do Campo Santo sem acreditar no que havia acontecido. “Um dos piores dias da minha vida, o mais difícil. Eu a vi naquele caixão e, pra mim não era ela”, diz Thiana emocionada, 20 meses após a tragédia.
Para o psicólogo Aroldo Escudeiro, especialista em luto e autor do livro Terapia do Luto, a perda súbita de pessoas próximas provoca, além do sofrimento  pela ausência, um sentimento de medo.
Segundo ele, a perda de um amigo para os jovens é mais difícil de ser assimilada. “O jovem se identifica com os iguais. Ele tem uma representação mental de si mesmo como herói – de que isso nunca vai acontecer –  mas, se aquela pessoa pode morrer, ele também pode. O choque é maior”.
Emanuelle, Raísa e Thiana pertenciam ao mesmo grupo de amigas, eram sete ao todo. Viajavam juntas, iam ao cinema, em festas e algumas delas ainda faziam o mesmo curso na faculdade. “Foi muito difícil por conta da situação como aconteceu, foi trágico. Seria a última pessoa com que a gente imaginava que ia acontecer esse tipo de coisa, ela sempre foi de animar todo mundo”, diz Raísa.
Para Thiana, o choque ainda foi maior.  “Pra mim foi um baque. Naquele final de semana, ela ia lá pra casa, íamos ao cinema. Um pouco antes de ela morrer, estava muito distante da gente. Estava ficando mais em casa. Parecia que sabia o que ia acontecer”, diz Thiana. “Ainda me pergunto se isso foi um sinal”, acrescenta.
De acordo com a psicóloga Lilian Britto, os amigos desempenham papéis dentro do círculo de amizade – no caso de Emanuelle, ela era a agregadora, segundo depoimento do grupo. “Quando um amigo desaparece, deixa muitos papéis. Às vezes a pessoa não consegue retomar a vida porque aquele papel desempenhado fica vazio”.
As amigas seguem a rotina sem a alegria e os conselhos de Emanuelle. “Muita coisa mudou depois da morte dela. No início, o grupo de amigas teve muita dificuldade de lidar com isso. Não conseguíamos nos encontrar, ficava sempre a sensação de que estava faltando alguma coisa. Hoje a gente se encontra tranquilamente e ainda fala sobre ela com alegria”, relata Raísa.
Irmãs de alma
Por dez anos, as universitárias Laila Melo, 22, e Larissa Gonçalves, 19, compartilharam bons momentos e apoiaram uma a outra em outros delicados. As duas se definiam como irmãs de alma e haviam decidido tatuar a mensagem. “Dois meses antes de ela morrer, veio com essa ideia. Escolhemos que seria em tcheco (por causa da sonoridade) e o modelo da fonte”, conta Laila. Não deu tempo. Laila entrou no estúdio de tatuagem sozinha, dois meses após a morte de Larissa.
Laila e a Tattoo feita em homenagem à Larissa (Foto: Tânia Araújo)
Laila e a tatuagem feita em homenagem à Larissa (Foto: Tânia Araújo)
O corpo da universitária Larissa foi encontrado na escada do prédio em que morava, em Pernambués. Ela foi asfixiada pelo vizinho.  O acusado, que era usuário de drogas, não tinha contato com a jovem e nem motivação para matá-la. Os homicídios são a principal causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 24 anos, de acordo com o Datasus, órgão do Ministério da Saúde.
Amiga de infância, Laila foi a terceira pessoa a chegar a cena do crime. “Eu nunca vou falar que perdi uma amiga, eu não perdi minha amiga, o que eu perdi foi o contato físico com ela”. As duas se conheceram na ilha de Boipeba, onde Larissa morava e Laila passava as férias.
Foi por conta dos estudos que Larissa também saiu da ilha e veio pra Salvador. “Falei muito com ela que aqui era melhor pros estudos, e assim ela conseguiu autorização dos pais e veio pra cá, no começo morou na casa da tia e por fim lá em Pernambués”.
“Levar o corpo dela para Boipeba foi um dos momentos mais tristes, chegar na ilha, descer no cais com o caixão dela, e a ilha inteira esperando. Foi muito triste. No começo eu me senti muito só, não sou do tipo que tem muitas amizades. Tive que passar 15 dias na casa do meu namorado para aos poucos voltar a dormir na minha, já que Lari passava muito tempo aqui em casa. Até meu pai veio de Boipeba para ficar comigo”, contou.
No período em que ficou na casa do namorado, Laila sonhou com a amiga todos os dias. “Era o mesmo sonho, ela não tinha morrido, que foi um engano. E foi assim ao longo do primeiro ano, mas a sensação era muito boa, porque era a sensação de reencontro. E eu contava para todo mundo que ela não morreu, que ela ainda estava aqui”.
Segundo Escudeiro, a pessoa que perdeu o amigo precisa procurar ajuda quando o luto começa a mudar a sua rotina, anteriormente a perda. “Os exemplos mais comuns são insônia, comer muito ou pouco e começar a faltar aula”.
Mateus Góes, 19, estudante, perdeu o amigo de colégio, Felipe Menezes, 17 anos, em junho de 2014, e a lembrança que tem do amigo é um número para o qual ele nunca mais vai ligar. “Não consigo apagar o número dele do meu celular, já me perguntaram isso, mas eu não consigo. Seria como cortar o último laço.”
Mateus Goes e o contato do amigo que não consegue excluir (Foto: Tânia Araújo)
Mateus Góes e o contato do amigo que não consegue excluir (Foto: Tânia Araújo)
De acordo com Mateus, Felipe havia ido a uma festa, feito uso de maconha e bebidas alcoólicas, passou mal e saiu do local sem avisar para onde iria. Após ficar desaparecido por três dias, o corpo do adolescente foi encontrado embaixo de um viaduto na avenida Garibaldi.
Ele conta que recebeu a notícia da morte de Felipe através de uma amiga, no entanto, precisou ir ao Facebook do amigo para constatar a morte pelos comentários que outras pessoas haviam deixado. “Ele era tipo meu irmãozinho mais novo, queria ser engenheiro”.
Mateus, que não gosta de ir a enterros, preferiu guardar a lembrança de quando ia com Felipe à escola ao invés do amigo dentro do caixão. “Se eu pudesse, teria conversado mais com ele, pedido para não usar mais essas coisas”, lamenta após que lembrar que passou uma fase afastado do amigo.
Os jovens cultivaram uma amizade durante três anos. “A gente acabou ficando amigo por conta de uma brincadeira. Alguém sempre escrevia o nome de mais um aluno na lista de chamada. Um dia, esse “aluno fantasma” foi chamado por engano pela professora, rimos e daí começamos a conversar”. O mais difícil de perder um amigo jovem é conviver com o espaço que fica. É como diz o rapper Emicida, emCanção pros meus amigos mortos: “o espaço daquela piada que ele sempre fazia… Não sei se fiquei mais forte ou morri também”. 
AS FASES DO LUTO 
“A perda mal enfrentada pode levar a sintomas patológicos, como a depressão. Que é um sintoma comum ao luto complicado. Como o luto é um processo, ele precisa ter um fim.”, diz Aroldo.
Entorpecimento: Perceber que a pessoa morreu pode durar horas ou até uma semana. A parte mais difícil. Alguns não aceitam e entram em um estágio de negação.
Anseio e busca pelo ente perdido: Ficar procurando quem se foi pelos cantos da casa. Sente a presença. Escuta a sua voz. Necessidade de reaver a pessoa perdida.
Falar sobre a morte: Reestruturar a parte emocional. Imprescindível É essencial falar sobre a perda, mostrar que a pessoa continua “viva” dentro dos seus pensamentos
Reorganização: É necessário continuar a vida de onde ela parou, retomar as amizades e procurar outras atividades.
A DOR VIROU SAUDADE 
Segundo a psicóloga Lilian Britto, a religião pode ajudar neste momento, servir como apoio. “Às vezes a religião aparece para explicar porque aquilo aconteceu. Sendo a doutrina originada pela família ou apenas do próprio jovem”. Foi assim que Laila superou a saudade da amiga. “Eu já tinha uma visão de espiritismo dede muito cedo, quando morava em Boipeba. A religião foi crucial pra mim quando tudo aconteceu”.
Thiana, que também se apoiou no espiritismo, deu uma outra saída para driblar a dor se mudando para Aracaju. “Na semana seguinte a morte dela recebi uma proposta de emprego lá. Eu precisava sair daquilo tudo, não conseguia ir aos lugares. A mudança veio muito a calhar, me afastou daquela realidade”, desabafou.
Outras pessoas procuram ajuda e superam com o apoio do ciclo social, como aconteceu com Raísa e Mateus. “Eu conversei muito com uma amiga minha e conversar com ela foi bom pra mim”, disse Mateus. “Depois de um ano a dor cessou mais, depois desse tempo a gente começa a aceitar. A missão dela foi cumprida de alguma forma”, diz Raísa.
“A coisa mais importante é entrar em contato com a perda. Na medida que a pessoa começa a vivenciar, ela começa a colocar para fora a sua emoção. A falta de viver essa emoção é que pode complicar o processo.”, esclareceu Aroldo Escudeiro.

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