AQUI É SÓ UMA ENCENAÇÃO DO OCORRIDO COM CRISTO.
Pe. José Lenilson de Morais
Residente na Abadia da Ressurreição - Ponta Grossa/PR
Vivenciando a nossa Tradição católica, vamos celebrar, nestes dias, o tríduo da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Para os cristãos do mundo inteiro, mesmo para os que não celebram “os dias grandes” como nós, a centralidade da fé está no mistério da morte na cruz e da ressurreição de Jesus Cristo ao terceiro dia. Neste ponto há unanimidade entre os crentes: fomos salvos pelo sangue de Cristo derramado na cruz e por sua vitória sobre a morte. Paulo resume o kerigma comum escrevendo aos cristãos de Corinto: “Quero lembrar-vos o evangelho que vos anunciei e que recebestes, e no qual estais firmes. Por ele sois salvos, se o estais guardando tal qual ele vos foi anunciado(...)Eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado segundo as Escrituras, e apareceu a Cefas e, depois aos Doze. Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez” (1 Cor 15, 1-5). Isto é a mais completa Boa Nova: Evangelho. No entanto, nós costumamos obscurecer este anuncio jubiloso com nosso gosto pelo pesaroso. Sim, ao longo da história do cristianismo, os pregadores rigoristas, jansenistas e puritanos– católicos e protestantes – acentuaram por demasia os aspectos negativos do “encontro de Deus com homens”. Mesmo quando insistiam no “amor” era para chamar a atenção dos homens para o mandamento de amar a Deus; um “amor obrigado” por temor do inferno. Isto teve reflexos na piedade popular e também na liturgia oficial. Basta observar a ênfase dada aos sofrimentos de Cristo e aos pecados do povo. Se mal compreendidas até as práticas penitenciais perdem seu sentido. Por exemplo, o jejum – já meio esquecido – e a abstinência da carne,por vezes, não passam de uma merapráticaexternaque não produzem nenhum sinal de compaixão para com os irmãos necessitados. Esquecemos bem depressa nossos propósitos porque o pão do evangelho é estocado e o vinho da alegria pascal é misturado ao vinagre de nossas amarguras sociais, eclesiais e pessoais. Daí logo vem a “cara de velório” permanente, no dizer de Francisco, Papa.Preferimos nos apegar a “desgraça nossa de cada dia” e daí, muitas vezes, estacionamos diante da morte de Cristo sem viver a Ressurreição.
Quando assisti, no início do novo milênio, o célebre e polêmico filme “The Passion” de Mel Gibson, confesso que fiquei muito emocionado e chorei durante boa parte da exibição. Aparentemente o que mais impressiona no filme é acentuação dos tormentos aos quais Jesus é submetido. A crueldade humana é manifestada na carne cruamente arrancada pelo chicote dos algozes, no sangue que escorre abundantemente da face do Salvador, no crânio perfurado pelos espinhos. Algo inaudito, que hoje se repete nas torturas dos Estados oficiais e no genocídio público perpetrado pelo Estado Islâmico e outros grupos extremistas. Há, contudo, algo bem mais profundo, bem mais animador, bem mais atrativo no filme e nas páginas da Escritura. São João, o amado, é enfático ao afirmar: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1 Jo 4, 10). Aqui está a desconcertante notícia: a Ceia do Senhor com o gesto do Lava-pés, a liturgia da Paixão com a comovente Via Sacra e o Aleluia da Vigília são partes de um único anúncio, duma perene verdade, de um evangelho “incaducavel”: Deus ama, ele tem compaixão de nós: “não nos trata como exigem nossas faltas nem nos pune em proporção as nossas culpas”(Sl 102, 10). Está é a justiça de Deus, que é manifestada, escandalosamente, em Jesus Cristo, mas que já era prenunciada nas páginas da Antiga Aliança: “O coração se comove no meio peito, as entranhas se agitam dentro de mim! Não me deixarei levar pelo calor da minha ira. Não, não destruirei Efraim. Eu sou Deus, não um ser humano, sou um santo no meio de ti, não venho com terror” (Os 11, 8-9). Daria para passar horas meditando só desta frase: “Não venho com terror”. O que para João significa: “o perfeito amor lança fora o temor” (1 Jo 4,18). Poderíamos, neste ano, viver o Tríduo Santo nesta ótica e, talvez, sentindo-nos mais amados por Deus, sejamos capazes de ter compaixão dos irmãos, sem a qual a semana será tudo, menos santa.
Pe. José Lenilson de Morais
Residente na Abadia da Ressurreição - Ponta Grossa/PR
Vivenciando a nossa Tradição católica, vamos celebrar, nestes dias, o tríduo da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Para os cristãos do mundo inteiro, mesmo para os que não celebram “os dias grandes” como nós, a centralidade da fé está no mistério da morte na cruz e da ressurreição de Jesus Cristo ao terceiro dia. Neste ponto há unanimidade entre os crentes: fomos salvos pelo sangue de Cristo derramado na cruz e por sua vitória sobre a morte. Paulo resume o kerigma comum escrevendo aos cristãos de Corinto: “Quero lembrar-vos o evangelho que vos anunciei e que recebestes, e no qual estais firmes. Por ele sois salvos, se o estais guardando tal qual ele vos foi anunciado(...)Eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado segundo as Escrituras, e apareceu a Cefas e, depois aos Doze. Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez” (1 Cor 15, 1-5). Isto é a mais completa Boa Nova: Evangelho. No entanto, nós costumamos obscurecer este anuncio jubiloso com nosso gosto pelo pesaroso. Sim, ao longo da história do cristianismo, os pregadores rigoristas, jansenistas e puritanos– católicos e protestantes – acentuaram por demasia os aspectos negativos do “encontro de Deus com homens”. Mesmo quando insistiam no “amor” era para chamar a atenção dos homens para o mandamento de amar a Deus; um “amor obrigado” por temor do inferno. Isto teve reflexos na piedade popular e também na liturgia oficial. Basta observar a ênfase dada aos sofrimentos de Cristo e aos pecados do povo. Se mal compreendidas até as práticas penitenciais perdem seu sentido. Por exemplo, o jejum – já meio esquecido – e a abstinência da carne,por vezes, não passam de uma merapráticaexternaque não produzem nenhum sinal de compaixão para com os irmãos necessitados. Esquecemos bem depressa nossos propósitos porque o pão do evangelho é estocado e o vinho da alegria pascal é misturado ao vinagre de nossas amarguras sociais, eclesiais e pessoais. Daí logo vem a “cara de velório” permanente, no dizer de Francisco, Papa.Preferimos nos apegar a “desgraça nossa de cada dia” e daí, muitas vezes, estacionamos diante da morte de Cristo sem viver a Ressurreição.
Quando assisti, no início do novo milênio, o célebre e polêmico filme “The Passion” de Mel Gibson, confesso que fiquei muito emocionado e chorei durante boa parte da exibição. Aparentemente o que mais impressiona no filme é acentuação dos tormentos aos quais Jesus é submetido. A crueldade humana é manifestada na carne cruamente arrancada pelo chicote dos algozes, no sangue que escorre abundantemente da face do Salvador, no crânio perfurado pelos espinhos. Algo inaudito, que hoje se repete nas torturas dos Estados oficiais e no genocídio público perpetrado pelo Estado Islâmico e outros grupos extremistas. Há, contudo, algo bem mais profundo, bem mais animador, bem mais atrativo no filme e nas páginas da Escritura. São João, o amado, é enfático ao afirmar: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1 Jo 4, 10). Aqui está a desconcertante notícia: a Ceia do Senhor com o gesto do Lava-pés, a liturgia da Paixão com a comovente Via Sacra e o Aleluia da Vigília são partes de um único anúncio, duma perene verdade, de um evangelho “incaducavel”: Deus ama, ele tem compaixão de nós: “não nos trata como exigem nossas faltas nem nos pune em proporção as nossas culpas”(Sl 102, 10). Está é a justiça de Deus, que é manifestada, escandalosamente, em Jesus Cristo, mas que já era prenunciada nas páginas da Antiga Aliança: “O coração se comove no meio peito, as entranhas se agitam dentro de mim! Não me deixarei levar pelo calor da minha ira. Não, não destruirei Efraim. Eu sou Deus, não um ser humano, sou um santo no meio de ti, não venho com terror” (Os 11, 8-9). Daria para passar horas meditando só desta frase: “Não venho com terror”. O que para João significa: “o perfeito amor lança fora o temor” (1 Jo 4,18). Poderíamos, neste ano, viver o Tríduo Santo nesta ótica e, talvez, sentindo-nos mais amados por Deus, sejamos capazes de ter compaixão dos irmãos, sem a qual a semana será tudo, menos santa.
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