Família denuncia que PF entrou em apartamento errado e matou inocente.
PF atesta que vítima apareceu com arma e foi perseguido em operação.
O motorista do caminhão Márcio Neris dos Santos, de 35 anos, morto na operação da Polícia Federal (PF), em Salvador, foi enterrado na tarde desta quarta-feira (17), no cemitério Bosque da Paz, no bairro de Nova Brasília. A cerimônia teve a presença de familiares e moradores do edifício em que ocorreu a batida da Operação Carga Pesada, que resultou em uma prisão no local. A família da vítima denuncia "erro inexplicável" da equipe da PF, enquanto a corporação defende a ação, com argumento de que ele foi seguido após aparecer armado no corredor do prédio. O G1esteve no local e ouviu algumas pessoas sobre o que aconteceu no condomínio Parque das Orquídeas, no bairro de Pau da Lima. De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), a vítima não tinha antecedentes criminais.
Segundo o patrão da vítima, o empresário Gildo Ferreira, Márcio dos Santos trabalhava com ele há seis anos. "Era um homem bom e tranquilo. Ia fazer seis anos agora em agosto. Muito honesto e fazia questão de prestar contas de tudo. Além disso, tinha conduta excelente com os colegas. Nunca foi agressivo com ninguém. Os colegas brincavam com ele, faziam piadas e ele não esquentava já para não ter problemas", informou.
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Vizinhos também afirmaram que ele era "tranquilo". "Ele nunca teve problema com qualquer morador de lá. Não era amigo dele, aquela coisa próxima, mas era tão gente boa e educado com todo mundo que estamos aqui para dar apoio à família", informou o funcionário público Ernani Reis. "Sabe aquele cara que não mexe com ninguém? Era ele. Um homem bom, que estava sempre com a família e super tranquilo", disse o taxista Uilton Bispo.
A irmã, Daiana Neris, disse que a mãe não teve condições de comparecer ao enterro. "Ela está dopada. Se a gente pudesse, a gente colocava a dor dela na gente. Meu irmão era um homem bom. Ele estava de cueca, deitado na cama. Estava de férias e, nesses dias, ia ao hospital para ficar com meu avô. Ele ajudava todo mundo da família, principalmente mainha. Era brincalhão. Se a gente brigasse, daqui a pouco estava de bem. Era um homem de bom coração. Estou arrasada", lamentou. "O que deixa a gente mais indignado é que estão acusando ele de uma coisa que ele jamais faria. Cadê a arma que não mostra? Quem conhecia ele, sabe bem que ele não tinha uma arma", disse o cunhado, Emerson Costa, marido de Daiana.
A Corregedoria da PF instaurou inquérito administrativo e apura a ação também do ponto de vista criminal, pela Operação Carga Pesada, informou.
Sobre a acusação dos familiares de que houve erro na identificação do apartamento - ele morava no de número 4 e o suspeito preso mora no 104 - a PF disse que não foi constatado nenhum equívoco. "Insistimos que não houve erro na identificação do apartamento. A equipe estava se dirigindo para o apartamento correto quando, no meio do caminho, ele saiu armado no corredor e os policiais tinham que prendê-lo. O levantamento foi feito com muita antecedência, com mapeamento do prédio. Nós sabíamos exatamente onde estávamos indo. Isso é completamente fantasioso", disse o delegado da PF, Tiago Sena, responsável pela comunicação, nesta quarta (17).
De acordo com Sena, a PF registrou imagens do momento da perícia que mostram a arma e a cena da situação. No entanto, disse que a arma só poderá ser apresentada após resultado do laudo pericial. "Ela não pode ser tocada. Depois que terminou a perícia, ela foi recolhida para o laboratório. A gente prefere ficar com essa fama do que mostrar uma coisa dessa que pode chocar a família. A gente só pode afirmar com 100% de certeza o que aconteceu no fim da apuração", afirmou o delegado.
A situação ocorreu no momento em que a polícia buscava cumprir mandados de prisão da operação, que desarticulou uma organização criminosa que teria desviado cerca de R$ 100 milhões em cargas do Porto de Aratu, em Candeias, na região metropolitana de Salvador. Ao todo, 16 pessoas foram presas. Os mentores, de acordo com a investigação, são o antigo e atual presidentes da Cooperativa de Motoristas Autônomos do Estado da Bahia.
De acordo com a operação, a organização criminosa agia como "máfia" e chegou a matar pelo menos três pessoas que se opuseram ao esquema, além de já terem sido constatados ao menos três tentativas de homicídio. A PF admitiu que o homem morto não estava entre os procurados, mas afirmou que ele estava armado no momento em que os agentes chegaram à sua residência em busca de suspeitos.
Versão da família
A recepcionista Viviane Bastos Souza Neris, 32 anos, contou que estava com marido até o fim da madrugada. "Trabalho às 6h. Então, a gente sai daqui por volta das 4h30, 4h45, porque tenho que deixar a minha filhinha com a minha irmã, que mora em Pau da Lima [mesmo bairro]. Ele deixa nossa filhinha lá, me deixa no ponto e depois ele vem para casa. Ele estava de férias desde o início do mês. Normalmente, me deixa no ponto e vai para o trabalho. Desta vez, ele voltou para casa para descansar", informou. "Ele estava dormindo. Como vocês podem ver [apontou para cama que dividiam], o sangue está todo na cama. Não tem como ele ter reagido. Não precisa ser uma pessoa estudada para saber que o que eles fizeram foi errado. Não tem explicação", lamentou.
A recepcionista Viviane Bastos Souza Neris, 32 anos, contou que estava com marido até o fim da madrugada. "Trabalho às 6h. Então, a gente sai daqui por volta das 4h30, 4h45, porque tenho que deixar a minha filhinha com a minha irmã, que mora em Pau da Lima [mesmo bairro]. Ele deixa nossa filhinha lá, me deixa no ponto e depois ele vem para casa. Ele estava de férias desde o início do mês. Normalmente, me deixa no ponto e vai para o trabalho. Desta vez, ele voltou para casa para descansar", informou. "Ele estava dormindo. Como vocês podem ver [apontou para cama que dividiam], o sangue está todo na cama. Não tem como ele ter reagido. Não precisa ser uma pessoa estudada para saber que o que eles fizeram foi errado. Não tem explicação", lamentou.
Viviane também disse ainda que o esposo não tinha arma de fogo. "A única arma que temos aqui em casa é a Bíblia. Agora, queremos justiça", contou. A recepcionista afirma que estava casada com Márcio Neri dos Santos há três anos e que se mudou para ao apartamento onde o marido foi morto há dois anos. "O apartamento é financiado. A gente estava construindo a nossa vida. A outra casa [em Vila Canária] era a própria, mas a gente desistiu de lá e a gente financiou esse para ficar mais perto da minha mãe", afirmou.
Além do bebê, Márcio deixa duas filhas, uma de 11 meses e uma de 10 anos, fruto de outro relacionamento. "Tínhamos muito planos. A gente sentava, falava da nossa casa, a gente se apertava para amortecer as parcelas do apartamento. Depois de pagar, queríamos parar um pouco para curtir nossa filhinha de 11 meses", afirmou. Segundo a esposa, eles moram no apartamento de número 4 e o mandado policial deveria ter sido cumprido no de número 104.
O homem baleado dentro de casa morreu no Hospital Geral do Estado (HGE). De acordo com a PF, os policiais foram ao local para cumprir dois mandados de prisão no condomínio. Um homem foi preso e a outra pessoa procurada não foi localizada.
Versão da PF
Em nota, a PF informou que a situação aconteceu em uma das buscas no interior do prédio alvo de dois mandados de prisão. Segundo a polícia, o homem morto estava com a arma de fogo em punho na porta de um dos apartamentos. A PF informou que a arma foi apreendida, a equipe foi identificada, exames periciais foram realizados e testemunhas foram ouvidas.
Em nota, a PF informou que a situação aconteceu em uma das buscas no interior do prédio alvo de dois mandados de prisão. Segundo a polícia, o homem morto estava com a arma de fogo em punho na porta de um dos apartamentos. A PF informou que a arma foi apreendida, a equipe foi identificada, exames periciais foram realizados e testemunhas foram ouvidas.
"A equipe ordenou que largasse a arma, tendo o homem desobedecido a ordem e se escondido no interior do apartamento, obrigando os policiais a segui-lo e ordenarem novamente que soltasse a arma. Novamente, ele não obedeceu, mantendo-a apontada para a equipe, que, para resguardar suas vidas, não teve outra opção senão efetuar disparos. Em seguida, providenciou-se imediato socorro, levando-no até o Hospital Geral do Estado", informou. "Os elementos colhidos até o momento demonstram que em princípio a ação revestiu-se de legalidade, estando os fatos ainda sob investigação, finda a qual serão esclarecidas em definitivo as circunstâncias", completou.
Operação desarticula quadrilha
A investigação apontou que o grupo atuava há pelo menos 10 anos e pessoas que se opuseram chegaram a ser mortas. Ao total, a operação cumpriu 16 de 24 mandados de prisão e 24 mandados de busca e apreensão. Uma pessoa, que não estava na lista de procuradas, foi detida em flagrante. A operação aconteceu ainda nos estados de Minas Gerais e São Paulo.
A investigação apontou que o grupo atuava há pelo menos 10 anos e pessoas que se opuseram chegaram a ser mortas. Ao total, a operação cumpriu 16 de 24 mandados de prisão e 24 mandados de busca e apreensão. Uma pessoa, que não estava na lista de procuradas, foi detida em flagrante. A operação aconteceu ainda nos estados de Minas Gerais e São Paulo.
Durante coletiva para a imprensa, o delegado Fabio Muniz Mota informou que organização criminosa tinha com mentores o antigo e atual presidentes da Cooperativa de Motoristas Autônomos do Estado da Bahia. A PF preferiu manter os nomes dos principais suspeitos em sigilo. Eles atuavam com o apoio de seguranças de armazéns de Aratu, profissionais de controle de acesso, guardas portuários e ao menos um policial rodoviária estadual reformado.
"Uma delas começou uma investigação para levantar informações para empresa [que estava sendo prejudicada] e acabou sendo vítima da quadrilha. Posteriormente, algumas pessoas que faziam parte e que não queriam mais fazer e até ficaram contra foram vítimas da ação", explicou o delegado responsável. Levantamento da PF apontou que três mortes e mais três tentativas de homicídios relacionados ao grupo criminoso foram cometidos entre 2012 e 2015.
A PF informou que a investigação começou no segundo semestre de 2014. "Tínhamos conhecimento desses furtos que estavam ocorrendo no Porto de Aratu e precisavam ser combatidos. Posteriormente, chegou a informação de que pessoas estavam sendo ameaçadas e até mesmo assassinadas", relatou Mota Muniz.
A operação contou aproximadamente com 200 policiais. Na Bahia, além de Candeias e Salvador, a PF realiza ações em Simões Filho e Camaçari. Segundo a PF, duas empresas foram alvos do furto, uma de concentrado de cobre, que é a única que importa o material no Brasil, e outra de fertilizantes. As investigações começaram a partir de duas apreensões de caminhões realizadas pela polícia em Minas Gerais e São Paulo.
A organização era composta pelos diretores da cooperativa, que organizava o carregamento de caminhões e o transporte de todas as mercadorias do Porto de Aratu para unidades produtoras e consumidores em diversas regiões do país. Além do roubo das cargas, a quadrilha extorquia e intimidava testemunhas.
Os envolvidos vão responder por furto qualificado, participação em organização criminosa, falsidade ideológica, corrupção ativa, corrupção passiva e homicídios de testemunhas que ameaçaram delatar a organização.
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