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sábado, 5 de setembro de 2015

Em Salvador, "negros parecem estar nas mãos de pessoas brancas", diz Carl Hart

Neurocientista esteve em Salvador nesta semana em evento da Iniciativa Negra por Nova Polícia Sobre Drogas
Diogo Costa e Thiago Freire* (redacao@correio24horas.com.br)
Atualizado em 05/09/2015 10:02:54
  
Pesquisador veio a Salvador para debates
(Foto: Almiro Lopes)
Pesquisador das drogas há mais de 23 anos, o neurocientista Carl Hart, 48, esteve em Salvador na última semana para uma série de debates com a Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas (INNPD). Nascido em Miami, cidade localizada no estado americano da Flórida, tornou-se professor da universidade de Colúmbia, em Nova York (EUA), onde desenvolveu grande parte das suas pesquisas sobre o tema. Longe do pensamento binário que relaciona a questão das drogas a saúde e segurança pública, Hart acredita existir um outro viés, que ele conta em entrevista concedida ao CORREIO durante a sua passagem por Salvador. Sobre a cidade, seu sentimento é ambíguo. 
Você estuda as drogas há mais de 23 anos. Como surgiu o interesse por estudá-las?
O interesse era de compreender o funcionamento do cérebro. E as drogas eram um instrumento para fazer essa manipulação, as células do cérebro. Foi assim que eu me tornei interessado. 
Como é possível fazer um consumo consciente de drogas?
Algumas pessoas bebem para ficar embriagadas, não há problema algum com isso. A mesma coisa é com as drogas. Há pessoas que usam drogas, e eu sou uma dessas pessoas, e elas trabalham, e lidam com as suas possibilidades cotidianas. 
Drogas é uma questão de saúde pública, de segurança pública ou de racismo? Qual a sua ótica sobre essa questão?
Pensa em estar dirigindo um carro. A maioria das pessoas que dirigem carro fazem isso sem nenhum problema. A maioria das pessoas que usam drogas, fazem isso sem problema. Elas vão ao trabalho, cuidam da família, fazem parte das nossas esferas de governo, estão espalhadas por toda a sociedade. Há algumas pessoas que têm problemas com as drogas, e talvez seja uma questão de saúde, mas isso é um número pequeno de pessoas. Mas há também pessoas que comportam-se mal, e que também fazem o uso de drogas. Mas a vasta maioria dessas pessoas não têm problemas. Então o problema não é as drogas, não é um problema de drogas. 
Em uma das suas pesquisas você pontua que 80% a 90% das pessoas que consomem crack, heroína, maconha não são viciadas, ao contrário das pessoas que consomem diariamente as drogas ditas lícitas. Como você chegou a essa conclusão?
Não foi somente eu, isso é axiomático, é um conhecimento científico comum. Há dezenas de periódicos científicos que fazem esse argumento. 
Na Bahia, assim como todo o país, a maioria das prisões ocorre em função do tráfico ou envolvimento com drogas. Você considera que existe um preconceito por parte do estado em relação a isso?
Acho que o que nós temos aqui é uma situação de apartheid racial. Preconceito é algo que está na cabeça das pessoas, é algo pensado. O apartheid e a discriminação é algo que é feito, que é perpetrado. Vocês estão colocando essas crianças e jovens negros, encarcerados em grande parte por conta do seu pertencimento racial. Então não é preconceito racial, é uma discriminação racial, um apartheid racial. 
Atualmente, aqui no Brasil, discute-se nas esferas política e social a descriminalização das drogas. De que forma a descriminalização pode ser uma ferramenta contra a guerra ao tráfico e as mortes contra a juventude negra?
A descriminalização não fará nada em torno das questões levantadas. A descriminalização não tem esse objetivo. A descriminalização tem como objetivo ter a certeza de que as pessoas não sejam encarceradas por possuir ou por estar portando drogas. O tráfico de drogas permanece ilícito. A descriminalização não fará nada para regular, por exemplo, a polícia que é tão desregulada. Precisamos ter a criminalização das forças policiais, se queremos tomar alguma iniciativa em relação aos assassinatos. 
Em fevereiro deste ano, aqui em Salvador, 13 jovens negros foram mortos em uma operação da polícia em um bairro periférico da capital. À época, o Estado afirmou que os mortos possuíam envolvimento com o tráfico, informação que foi contestada posteriormente. Você acredita que o Estado usa a guerra às drogas para matar jovens negros?
Eu não acredito ser esse o caso. Eu tenho certeza que essa é a questão.
A política de guerra as drogas norte-americana tem causado consequências aqui no Brasil? Quais são essas consequências?
Nos Estados Unidos, nós dissemos às pessoas que o crack era algo tão viciante, que bastava ser usado uma vez para que as pessoas ficassem automaticamente viciadas. E nós sabemos agora que isso é mentira. Mas, parece que aqui no Brasil não há essa compreensão. As pessoas aqui, as autoridades brasileiras, estão fazendo o que as autoridades norte-americanas fizeram nos anos 80. A abordagem foi incorreta e teve como consequência o fato de que nós prendemos, encarceramos muitas pessoas negras. No momento, 1 em cada 3 homens negros têm essa possibilidade de ser encarcerado nos EUA, principalmente em função dessas políticas contra as drogas. O Brasil, no momento, está agindo de uma maneira semelhante, porque políticos que são menos que inteligentes, aqui no Brasil, acreditam que as medidas que foram tomadas nos EUA foram apropriadas. 
Diante do que você viu, leu e ouviu, quais são as primeiras impressões que você tem da Bahia?
A minha impressão inicial é de que eu estou muito orgulhoso de ver essas pessoas negras, bonitas, mas por outro lado estou triste de ver que negras e negras, aqui, têm uma autoridade política tão reduzida. O destino de negros e negras, aqui, parece estar nas mãos de pessoas brancas, que têm pouca compreensão do negro, da negra e de sua cultura. Então, para concluir, eu diria que tenho sentimentos ambíguos em relação a Bahia. Estou intensamente orgulhoso, e ao mesmo tempo, profundamente triste.  
* Tradução: Raquel Luciana de Souza

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