Levantamento mostra que negócio movimenta até R$ 5 mil por dia. Investigadores suspeitam que espaço possa 'lavar' dinheiro do tráfico e esteja sendo coordenado pelos próprios servidores.
Por Marco Antônio Martins, G1 Rio
Um negócio que movimenta cerca de R$ 5 mil diariamente nas prisões do Rio de Janeiro. Levantamento do G1 com base em apreensões da Polícia Civil, de agentes penitenciários e do Ministério Público estadual mostra que as cantinas instaladas em 36 presídios do estado não se limitam a comercializar lanches. Entre os produtos vendidos há agulhas para tatuagem e cigarros contrabandeados. Essas áreas representam uma espécie de "zona livre" nas unidades já que, por falta de pessoal, estão imunes à revista.
De acordo com servidores da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) essa "liberdade" acontece porque agentes penitenciários estariam por trás da gestão destes espaços. Em 27 de julho, uma operação do Ministério Público e da Polícia Civil prendeu o agente penitenciário Marcelo Aparecido de Lima, no Presídio Carlos Tinoco, em Campos, no Norte Fluminense.
Em sua bolsa, havia R$ 8.990, além de 14 agulhas para tatuagem e cinco maços de cigarro Gifts, um dos produtos mais contrabandeados do Paraguai para o Brasil e alvo de repressão constante das polícias Federal e Rodoviária Federal fora do cárcere.
Chamou a atenção dos investigadores que nas notas de dinheiro havia a inscrição de facções criminosas, o que poderia representar que aquele dinheiro pertenceria aos criminosos.
"Algumas cantinas servem para 'lavar' dinheiro do tráfico. Nas prisões há bocas-de-fumo em que criminosos lucram com a venda da droga. A cantina pode servir também para enviar esse lucro para fora da unidade", contou ao G1 um agente penitenciário que pediu anonimato, com medo de represálias.
Em nota, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) diz "que sempre houve cantinas em unidades prisionais". "No final de 2015, foi feita nova licitação para cantinas. Os lotes de administração dessas unidades foram arrematados em pregão conforme a lei de licitações", acrescenta o texto enviado pela assessoria de imprensa.
Espaço substitui alimentação das unidades
As cantinas foram criadas para complementar a alimentação dos presos. A ideia é que, a preços baixos, os detentos e seus parentes pudessem utilizar o espaço para fazer um lanche. Atualmente, nestas áreas, se encontra uma gama enorme de produtos: de sandálias a pilhas, incluindo lâmpadas, fones de ouvido, papel higiênico, cadernos e canetas.
Além disso, as cantinas ainda produzem lanches e refeições. De acordo com agentes penitenciários, presos (com dinheiro) não se alimentam com as refeições servidas gratuitamente pelo estado, preferindo comprar a própria alimentação. Investigadores da Lava Jato têm informações de que, no período em que esteve preso em Bangu 8, no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, o ex-governador Sérgio Cabral só comprava comida na cantina da unidade.
Em 2009, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Sistema Carcerário Brasileiro, presidida pelo então deputado federal Michel Temer, visitou o estado do RJ. Em seu relatório final, apontou um problema no Presídio Vicente Piragibe: "Em face de a comida ser ruim e, muitas vezes, estar azeda, os detentos são obrigados a consumir produtos vendidos na 'Bodega' (mercearia), instalada dentro da cadeia. Essa 'Bodega' pertence a um agente penitenciário 'aposentado', que vende produtos (in natura, inclusive) a preços muito mais altos, 2 a 3 vezes superiores aos praticados fora do estabelecimento. Uma cebola, por exemplo, custa R$ 0,50, o mesmo preço de um ovo", apontou o documento.
De acordo com as regras do Regulamento do Sistema Prisional, cada preso no RJ pode ter, em mãos, R$ 100. Algumas notas contábeis às quais o G1 teve acesso registram que em um dia uma cantina movimentou de R$ 5 mil a R$ 6 mil.
Como não há revista ou fiscalização desses espaços não há como saber se o gasto realmente existiu ou é fictício. Os caminhões que entregam os produtos também não são revistados, de acordo com o representante do Sindicato dos Agentes Penitenciários.
"O estado liberou que as visitas possam levar a terceira bolsa para os detentos. Isso dificulta a revista por ser uma atribuição a mais para um pequeno contingente de servidores. Com isso, a observação passa a ser por amostragem. Isso, realmente, pode fragilizar o sistema e criar um problema na segurança da unidade", afirma Gutembergue de Oliveira, presidente do Sindicato dos Servidores da Seap.
A secretaria penitenciária informou, em nota, que a "fiscalização dos produtos, bem como a revista de funcionários e veículos, é feita diariamente. Paralelo a essas revistas, a Seap realiza operações pente-fino na entrada do Complexo de Gericinó e demais unidades prisionais isoladas. Nessas ações todos os veículos e funcionários são revistados. Essa operação conta com o apoio do Grupo de Operações com Cães (GOC), onde os animais são farejadores de armas, drogas e chips de celulares. Independente, do efetivo de servidores a recomendação é a revista rigorosa para que não haja entrada de produtos ilícitos, além, dos não previstos na lista de produtos que podem ser comercializados", informa a nota da Seap.
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