- 14 janeiro 2015
Armin Nachawaty é sírio e muçulmano, mas mora no Rio de Janeiro e se sustenta trabalhando em uma paróquia católica.
Aos 24 anos, carrega na memória uma longa travessia para escapar da guerra civil na Síria. Em sua cidade natal, Damasco, ele diz ter sido preso em condições subhumanas por ter se negado a cumprir o serviço militar. Seu pai decidiu então que ele e seu irmão, Ebraheem, 20, deveriam fugir para longe.
"Minha família pôs muito dinheiro, quase tudo o que tinha, para pagar pelos nossos passaportes", conta Armin à BBC Mundo.
A primeira parada, no Líbano, foi "horrível", diz ele. Ali vivem cerca de 1,2 milhão de refugiados sírios, e os dois irmãos não conseguiram lugar para morar ou trabalhar. Ante a dificuldade em obter vistos para Europa, EUA ou Canadá, surgiu a ideia de emigrar ao Brasil. A viagem foi autorizada pela embaixada brasileira no Líbano.
Ambos chegaram sozinhos em solo brasileiro um ano atrás e, seis meses depois, se reuniram com os pais e o irmão menor, Youness, de 5 anos.
Hoje, a família é parte dos cerca de 1,7 mil sírios refugiados em território brasileiro, segundo dados divulgados na segunda-feira pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), vinculado ao Ministério da Justiça.
Eles formam o maior contingente de refugiados do país, seguido de cidadãos de Angola e Colômbia.
No ano passado, o Brasil concedeu refúgio a 2.320 estrangeiros - número recorde -, e os sírios foram mais da metade deles.
Cidadãos sírios
O mexicano Andrés Ramírez, representante no Brasil do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), diz à BBC Mundo que o Brasil é o país que acolhe a "imensa maioria" dos sírios que buscam refúgio na América Latina.
Uma das razões por trás disso é que o país reconhece imediatamente como refugiado qualquer pessoa que seja capaz de se identificar como cidadão sírio e solicite esse status.
No ano passado o Conare emitiu uma resolução que acelerou o processo de reconhecimento de sírios que pedem refúgio no Brasil, permitindo que pessoas como Armin conseguissem rapidamente a permissão para entrar no país.
"O Brasil adotou uma posição receptiva em relação aos sírios e também aos libaneses afetados pela crise no Oriente Médio", diz Paulo Abrão, secretário de Justiça. Essa aceitação, sem uma análise individual de cada caso, é atípica e foi adotada depois que organizações humanitárias reportaram obstáculos em embaixadas brasileiras para conceder vistos a sírios deslocados pela guerra.
Outro fato que atraiu muitos sírios é a grande comunidade sírio-libanesa e de descendentes de árabes, produto de ondas migratórias de fins do século 19 e começo do século 20.
Essas comunidades têm ajudado os refugiados recém-chegados, bem como a organização católica Cáritas, que ajuda com alojamento ou aulas de português.
Um dos que cursam essas aulas é Bu Suleiman, sírio de 42 anos que chegou via Turquia, após tentar, sem sucesso, entrar na Europa pela Grécia.
"Eu pensava que se falava espanhol no Brasil", diz ele. Só descobriu a língua daqui quando desembarcou no aeroporto de Guarulhos. "Não entendi nada."
Hoje Suleiman vive no Rio, na casa de uma brasileira que contactou por intermédio da Cáritas e que o abriga de graça. Ele agora busca emprego como chef, mas conta que tem sido difícil conseguir em restaurantes sírios.
"Há muitos sírios que vêm para cá, está tudo cheio", explica. Mas ele acha que se tudo correr bem e ele aprender o português, em um ano trará o restante de sua família. "Acho que viverei no Brasil até morrer."
Religião
O representante da Acnur no Brasil adverte, no entanto, que nem tudo é "cor-de-rosa" para os sírios recém-chegados, cuja principal porta de entrada é São Paulo.
Ramírez estima que muitos dos que conseguem escapar da Síria e pagar uma viagem ao Brasil pertencem a setores mais abastados e com um bom nível de escolaridade.
"São engenheiros, farmacêuticos, pessoas que já têm pós-graduação ou doutorado", diz Aline Thuller, coordenadora do programa de atendimento aos refugiados da Cáritas no Rio.
Mas ela diz que muitos chegam sem nenhum documento que comprove sua formação acadêmica ou que sirva para a revalidação do título. "(Muitos) acabam tendo que trabalhar como garçons, em limpeza", conta.
Segundo Thuller, também chegam famílias sírias numerosas, o que dificulta a obtenção de um lar onde possam viver todos juntos.
Os cinco integrantes da família Nachawaty se alojam em um apartamento emprestado na zona sul do Rio. Vendem comida árabe que eles mesmos cozinham e livros doados na paróquia de São João Batista, no bairro do Botafogo.
Chegaram ao local convidados pelo sacerdote Alex Coelho, que conta que conversou com Armin sobre as diferenças religiosas.
"Disse a ele: Deus é um só, para você e para mim. Maomé e Jesus falavam de fazer caridade", conta Coelho, cujo escritório está repleto de doações à família síria, de roupas a CDs. "A questão não é religiosa."
Armin, que estudou hotelaria e ainda busca emprego na área, tampouco se importa com o trabalho temporário dentro de um templo católico.
"Tenho muitos amigos com e sem religião, isso nunca foi um problema para mim. Essa é uma das razões pelas quais eu saí da Síria, porque as coisas saíram do controle lá", diz.
Ele acha que, no Brasil, ninguém tem problemas com a religião que pratica. Nota que sua mãe é observada quando caminha coberta pelo véu islâmico, mas não acha que os olhares sejam "racistas ou algo mau".
"Vamos ficar aqui por muito tempo", relata.
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