De volta à TV em série no Netflix, Wagner Moura aprendeu espanhol e engordou 20 quilos para viver traficante Pablo Escobar
A imagem de Wagner Moura como Capitão Nascimento, integrante do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, que caça traficantes de drogas, rodou o mundo com o filme Tropa de Elite. Agora, o ator será visto em todo o planeta como Pablo Escobar (1949-1993), um dos maiores vendedores de cocaína da história, em Narcos, série do Netflix com estreia global prevista para agosto.
“Acho que essa é a coisa que (diretor) José Padilha fez mais parecida com o Tropa. Você tem a câmera na mão, a fotografia do Lula (Carvalho), atores meio soltos, a voz em off, aquela cara documental, a necessidade de ele querer explicar tudo para as pessoas. Acho que o paralelo que faço é esse. Para quem gostou do Tropa, Narcos vai ser o Tropa em grande estilo”, aposta o baiano, citando a equipe com que trabalhou nas duas produções.
Wagner Moura conta como se transformou para viver traficante famoso em série do Netflix
(Foto: Divulgação) |
Também com foco no comércio de substâncias ilícitas, Narcos tem mesmo características semelhantes às do longa, que ganhou notoriedade mundial após levar o Urso de Ouro no Festival de Berlim e, no Brasil, por ter sido pirateado antes de chegar aos cinemas em 2007.
Além de imagens de arquivo para situar o telespectador, a série é narrada por Steve Murphy (Boyd Holbook), um policial do DEA (Drug Enforcement Administration, órgão do governo americano responsável por combater o narcotráfico), que explica a trajetória do comércio de cocaína na Colômbia e ascensão de Escobar, que passou de contrabandista a dono de uma das maiores fortunas do mundo, com citação na revista Forbes.
Rodada na Colômbia, a atração mostra a história de Escobar em ordem cronológica em dez episódios. Ao conhecer produtores da droga, o criminoso começa a ter ideias de como otimizar a venda e expandir os negócios para o mercado internacional, com destaque para os Estados Unidos, onde chama atenção do governo. O que impressiona é a rede que o traficante cria na Colômbia, com suborno e ameaças a autoridades de diferentes escalões e olheiros em todos os pontos do país.
“Ele é um cara muito complexo. E essa complexidade está colocada na série. Pablo era um cara muito ligado à família, apaixonado pelos filhos e pela mulher, muito amigo dos amigos de infância mesmo depois de ter ficado milionário. Construiu não sei quantas mil casas para as pessoas pobres e, ao mesmo tempo, é um dos bandidos mais conhecidos do século XX”, compara o ator.
Para entrar no clima, Wagner chegou à Colômbia em abril de 2014 e passou seis meses se preparando antes das gravações, que só terminaram em abril deste ano.
“Estava envolvido com o personagem, lendo livros e vendo filmes, documentários. No total, é um projeto que já me levou quase dois anos. Fui só e minha família ficava indo me ver, passavam um tempinho lá. Quando eu tinha uma pausa, vinha para o Brasil”, recorda-se.
Barriga
No processo de imersão, teve que ganhar peso para ter a barriga saliente do traficante, que fica evidente nas imagens, em que aparece com o rosto mais redondo.
“Fiquei gordo. Engordei 20 quilos. O mais difícil foi realmente a língua. É e sempre será mais confortável trabalhar em português. Em Elysium (2014) foi difícil falar em inglês. Tive que aprender uma língua e sotaque. Eu não sabia espanhol e aprendi o de Medellín. Isso me jogou com força para o personagem”, filosofa o ator, que teve sessões de prosódia para falar paisa, como é chamado o sotaque da região.
Apesar de já ter perdido parte do quilos que ganhou em sua estada no país vizinho, o ator não está fazendo dieta, pois terá que ficar mais pesado de novo em setembro, mês previsto para retornar à Colômbia para rodar a segunda temporada da atração do Netflix.
Reunião dos traficantes do cartel de Medellín com o chefe Pablo Escobar (Wagner Moura) na cabeceira
(Foto: Divulgação) |
Narcos não é precursora ao contar a biografia do bandido na TV. A série colombiana Pablo Escobar: o Senhor do Tráfico, exibida no Brasil pelo +Globosat - que em agosto reprisa os 74 episódios - é uma das produções assistidas no canal. Wagner está entre os que viram.
“Todos os caras que fizeram o Pablo eu adoro ver. Gosto do Andrés Parra (protagonista da série) que traz uma coisa engraçada, meio bufão, o que acho bem legal. Acabo de ver o Benício del Toro no filme Escobar: Paraíso Perdido, que já faz uma coisa mais pesada, o Pablo mais cansado. Tudo isso aí eu vejo e reconheço como o Pablo que eu estudei e pesquisei. Cada um tem o seu olhar”.
Apesar de ser um dos poucos brasileiros na equipe de Narcos, que reúne artistas latinos de diferentes países, como o chileno Pedro Pascal (o Oberyn Martell de Game of Thrones), Wagner Moura foi escalado por causa de sua exposição mundial que começou com Tropa de Elite.
Hoje, o ator tem em seu currículo produções internacionais como Elysium, em que atuou ao lado de Matt Damon, na pele de um bandido, e Trash: A Esperança vem do Lixo (2014), de Stephen Daldry, estrelado por Rooney Mara e Martin Sheen.
Ele garante não se sentir parte do esquema de Hollywood. “Eu não sinto que estou assim. Os americanos veem muito a carreira. Eu não vejo isso como a minha carreira, vejo como a minha vida. As escolhas que faço são coisas que vão me enriquecer na minha vida, que vão fazer sentido na minha vida pessoal. Sempre peso a minha família, tenho três filhos, moro no Rio. Agora que estou falando espanhol, tenho mais vontade de fazer filmes na Argentina, no México. E aberto a personagens bons nos EUA e aqui no Brasil”.
No dia em que conversou com a reportagem, durante um evento em que o Netflix levou a São Paulo parte do elenco das séries originais, como Orange Is the New Black, o baiano tinha o mesmo status de estrela que seus colegas gringos, com entrevistas cronometradas e um entourage que o acompanhava pelos corredores de um hotel.
Convites recusados
Por conta de Narcos, Wagner teve que recusar convites para outros trabalhos. “A série é um comprometimento maior que um filme. Agora mesmo eu ia fazer o remake do The Magnificent Seven (com Chris Pratt, Denzel Washington e Ethan Hawke) e não pude porque o Netflix me queria para divulgar essa temporada. Mas é assim. Estou muito feliz de estar lançando essa série porque tenho orgulho”, minimiza.
Distante da TV desde 2007, quando atuou em Paraíso Tropical, o artista trilhou um caminho bem-sucedido no cinema e fez parte do elenco de filmes elogiados, como Praia do Futuro (2014), em que causou furor ao aparecer em cenas de sexo com outro homem. Entretanto, Wagner jura não ter desdém pelo veículo que lhe deu popularidade.
“Veja que engraçado. Estou fazendo televisão (em streaming). Eu ia fazer agora na Globo a série Dois Irmãos (estrelada por Cauã Reymond). fiquei quase dois anos esperando o Luiz Fernando Carvalho. Quando aconteceu, eu já estava envolvido com Narcos”, revela ele, que reconhece a mudança no mercado brasileiro.
“A novela é um produto diferente, muito latino e da cultura brasileira. Você demora um ano fazendo. Mas, a Globo está produzindo mais séries boas, entendeu que não compete com a Record e SBT, ela concorre com Netflix e HBO. O padrão de qualidade aumentou. Se aparecer uma coisa boa na Rede Globo e quiserem que eu faça, eu vou fazer também”.
Além do lado artístico, Wagner é conhecido por seu engajamento político. O ator, que já apoiou Marina da Silva, sente que o país não passa por um bom momento.
“Muito antes dessa coisa do petrolão e escândalos de corrupção, eu dizia que o Brasil melhorou muito nos últimos dez anos e piorou nos últimos dois. Há uma crise evidente, só não vê quem está ideologicamente cego. Uma crise ética, institucional, falta de crença absoluta nas instituições, o que é perigoso, leva a radicalismos, gente na rua pedindo a volta da ditadura. É uma coisa complexa”, analisa o baiano, que afirma ter sido alvo de comentários por seu posicionamento: “Recebi críticas da direita e da esquerda. Depois da última eleição, tão acirrada, virou o país do Fla-Flu. Fiquei feliz por não estar aqui nas eleições (de 2014, em que não votou)”.
Ele, porém, defende que alguns aspectos nos rumos que o país tomou nos últimos anos. “Essa crise não descarta os avanços, a quantidade de pessoas que saíram da miséria, o aumento de uma classe média que está na rua protestando. O exemplo legal é a Colômbia, um país destruído há 20, 30 anos, e se reconstruiu. É possível. É um país que se reconstruiu com a valorização da ideia de cidadania. É terceiro mundo igual a gente. Há exemplos legais para tirar de lá”.
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