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quinta-feira, 21 de abril de 2016
Conselho de Ética: o roteiro de manobras que deve livrar Cunha
Colegiado transformou-se em palco de baixarias entre deputados e, em seis meses, tempo recorde para um processo, não avançou um milímetro nas investigações contra o peemedebista. Comando do conselho apela ao STF por uma atitude
Por: Marcela Mattos, de Brasília - Atualizado em
O processo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já deixou sua marca no Conselho de Ética: é o mais duradouro da história do colegiado, criado em 2001. A tramitação recorde de seis meses também deixa outros legados. Palco de uma dura disputa entre aliados e opositores do peemedebista, o órgão que deveria ser o espelho da moralidade na Casa transformou-se em um circo político, protagonizando cenas de selvageria, conchavos e até revelações de embriaguez por parte de um congressista (veja lista). Só falta investigar um dos mais influentes caciques do Congresso, réu por lavagem de dinheiro e corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação por quebra de decoro contra Cunha foi apresentada em meados de outubro e, desde então, é alvo de sucessivas manobras, algumas delas orquestradas pelo próprio comando da Câmara dos Deputados. Partiram da vice-presidência as três decisões que foram determinantes para a demora dos trabalhos: a destituição de um relator favorável à admissibilidade, a anulação do parecer que dava continuidade aos trabalhos e, ainda, a imposição de um limite às apurações, deixando de fora boa parte do que a Operação Lava Jato já trouxe à luz sobre o envolvimento de Eduardo Cunha no esquema de corrupção da Petrobras.
As investidas se espalharam por outras frentes. Somente no Supremo Tribunal Federal (STF) foram ingressados quatro mandados de segurança contrários à atuação do conselho. Todos, em decisão liminar, rejeitados. Os recursos também se multiplicaram na Câmara: aliados de Cunha apresentaram mais de trinta questões de ordem de novembro para cá. Há ainda três recursos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). As ações podem acabar levando todo o processo, de novo, à estaca zero. Com isso, Cunha ganha tempo para atingir a meta de encerrar o mandato na presidência da Casa somente em fevereiro de 2017.
Diante das manobras, a representação contra Eduardo Cunha perdeu força e se aproxima de um destino conhecido no Parlamento: a pizza. De início, Cunha seria investigado por supostamente ter recebido vantagens indevidas no petrolão e por ter mentido à CPI da Petrobras ao dizer que não mantinha contas fora do país. Essas contas foram comprovadas pela Lava Jato. O peemedebista ainda foi citado como beneficiário de 5 milhões de dólares do esquema de desvios de recursos da principal estatal brasileira.
O colegiado já solicitou ao STF e ao Ministério Público as investigações sobre o presidente da Câmara, mas decisão do vice-presidente Waldir Maranhão (PP-MA) impede que o material seja usado como prova e determina que apenas questões relacionadas à omissão das contas sejam tratadas. O comando do conselho estuda medidas para não seguir a orientação de Maranhão, sob o risco de Cunha ser beneficiado como uma punição mais branda do que a perda do mandato.
As dificuldades narradas pelo conselho vão além das manobras regimentais e de canetadas do comando da Câmara. Falta até a liberação de verba para o custeio das passagens aéreas dos acusadores de Cunha. O doleiro Leonardo Meirelles prestou depoimento aos deputados arcando com os próprios gastos. Na próxima terça-feira está prevista audiência com o lobista Fernando Baiano, apontado como o operador de propinas do PMDB, e até agora não houve resposta à solicitação de cobertura dos custos. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PR-BA), afirma que vai tirar do próprio bolso o dinheiro da viagem, caso a Câmara não o libere. Cunha afirma que, como as testemunhas serão impugnadas, já que não falarão no escopo da representação, a viagem delas seriam um "desperdício de dinheiro público".
As restrições ainda se estendem à liberação de consultores legislativos para a elaboração de ações que atingem Cunha - a Ordem dos Advogados do Brasil teve de "emprestar" um jurista para ingressar com um mandado de segurança contra o peemedebista - e já houve até problemas de espaço para a realização das sessões. Agora, a próxima cartada do peemedebista é esperar uma "anistia" de membros do colegiado, após ele ter patrocinado o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
"O conselho não consegue avançar porque é uma manobra em cima da outra. Só falta que ele faça uma intervenção no conselho. De resto, quase tudo já foi", afirma Araújo. "Eu já vi anistia politica. Agora, no jogo do dinheiro eu nunca vi." Araújo ainda faz um apelo para que o STF se posicione sobre o pedido de afastamento ingressado pelo MP contra Cunha justamente por estar obstruindo as investigações. "O Supremo vai ter de tomar uma atitude. Está mais do que claro que ele está interferindo", disse.
Relator do processo, Marcos Rogério (DEM-RO) faz coro à pressão ao Supremo. "O que eles querem, na verdade, é trancar a ação do conselho. Não deixam andar e não deixam correr", disse. "No início eu era contra o afastamento. Entendia que não havia previsão regimental ou legal. Mas, a partir do momento em que começa a interferir de forma ilegal, abusiva e flagrante no processo, isso tem de ser avaliado", afirmou.
Eduardo Cunha nega qualquer intervenção no Conselho de Ética e afirma que a demora no andamento de seu processo é motivada, na verdadem por "erros" por parte do comando do colegiado. "Eu fico constrangido com o fato de o presidente do conselho não interpretar o regimento como tem que ser, protelar as decisões e, ao mesmo tempo, tomar decisões equivocadas para postergar o processo o máximo de tempo. O erro é dele. Se ele erra, eu vou buscar o meu direito", afirmou na última terça-feira. Cunha afirmou ainda que José Carlos Araújo busca "holofote".
O caminho tortuoso do Conselho de Ética
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Cúpula da Câmara segura início de processo
Um simples trâmite protocolar – um carimbo de numeração – se arrastou por duas semanas nos escaninhos da Secretaria-Geral da Câmara. Conforme determina o regimento, qualquer representação partidária contra um deputado tem de passar pela cúpula da Casa antes de seguir para o Conselho de Ética, trâmite que costuma ser rápido. No caso da ação contra Eduardo Cunha, a representação ficou congelada até o fim do prazo máximo – e, enquanto isso, ele negociava com a oposição e com o governo alternativas para escapar do processo por quebra de decoro.
Abertura dos trabalhos em plenário derruba sessões
O roteiro tornou-se comum: os trabalhos do conselho acabaram diversas vezes encerrados devido à abertura da ordem do dia no plenário da Câmara. Cabe ao próprio Eduardo Cunha dar início às sessões de votação, o que inviabiliza o funcionamento das comissões. Um dos casos mais controversos deu-se em 19 de novembro do ano passado, quando estava prevista a leitura do relatório do deputado Fausto Pinato (PP-SP), favorável à investigação do peemedebista. O dia começou com uma série de manobras comandadas por aliados de Cunha, que levaram à anulação da sessão, e também pelo segundo-secretário da Casa, Felipe Bornier (PSD-RJ), que anulou os atos do conselho daquele dia. As manobras levaram a uma rebelião de deputados, que fizeram discursos inflamados contra Cunha em plenário, levando a cúpula da Casa a recuar da decisão. O parecer de Pinato, no entanto, só pôde ser lido na semana seguinte.
Comando da Câmara destitui o relator
As investidas do comando da Câmara dos Deputados acabaram atingindo o relator do Conselho de Ética. No dia em que o parecer de Fausto Pinato (PP-SP) seria votado, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), determinou a derrubada dele do posto. À época, Pinato era do PRB, partido que fez parte do bloco de apoio a Cunha durante a eleição à presidência. A assessoria do Conselho de Ética afirma ter consultado a Secretaria-Geral da Mesa sobre restrições ao nome de Pinato à relatoria – e não recebeu nenhuma orientação contrária. O processo, então, acabou voltando à estaca zero. Após deixar a relatoria, Pinato afirmou ter sofrido ameaças de morte enquanto esteve na missão de julgar Eduardo Cunha.
Vice da Câmara anula abertura de investigação
Depois de destituir Fausto Pinato, a ação da cúpula da Câmara chegou ao novo relator. Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou parecer também determinando a abertura das investigações contra Cunha. O documento foi aprovado, mas acabou anulado por uma nova ação do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA). O argumento era o de que não foi concedido um pedido de vista (adiamento) ao texto de Rogério, o que é regimental. O comando do conselho negou o pedido porque ele só pode ser aplicado uma vez, e já tinha sido usado enquanto Fausto Pinato, o relator deposto, estava à frente do caso.
Cunha tenta impedir atuação do presidente do conselho
O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), também acabou no alvo de Eduardo Cunha. O peemedebista recorreu ao conselho e ao Supremo Tribunal Federal com ações para barrar o voto de Araújo em caso de empate – foi justamente o voto dele que possibilitou o início das investigações. Em decisão liminar, o ministro Luís Roberto Barroso negou o pedido.
Tapas e bate-boca: uma ‘suruba’ política
O conselho também foi palco de cenas de selvageria. Com os ânimos constantemente acalorados entre os defensores e opositores de Cunha, o plenário quase virou um ringue. Um dos episódios aconteceu em dezembro do ano passado, quando uma briga entre os deputados José Geraldo (PT-PA) e Wellington Roberto (PR-PB) terminou em xingamentos de "moleque" e "ladrão" e tapas entre os congressistas. Os dois tiveram de ser apartados pela segurança da Casa. Em outro caso, o deputado Vinícius Gurgel (PR-AP), que atuava para salvar o mandato de Cunha, baixou o nível e chamou o colegiado de uma “suruba política”. Ele, porém, não fazia críticas às manobras do conselho, e sim comentava sobre uma confusão no bloco partidário.
Deputado bêbado e falsificação de assinaturas
O colegiado que, em tese, deveria ser referência da ética e da moralidade parlamentar foi palco até de uma suposta falsificação de assinatura em um pedido de renúncia. O episódio foi protagonizado pelo deputado Vinícius Gurgel (PR-AP), aliado do presidente da Câmara. Conforme reportagem da Folha de S. Paulo, laudos grafotécnicos apontam que a assinatura que consta no documento foi uma falsificação "grosseira" e "primária". A renúncia de Gurgel, que não estava em Brasília no momento da votação da abertura de investigação contra Cunha, era necessária para evitar a deliberação de suplente que daria voto contrário ao seu aliado. Gurgel rebateu as acusações de ter falsificado o documento e justificou a alteração em sua grafia pelo fato de ter ingerido bebida alcoólica antes de assinar a documentação e por tomar remédio controlado.
Restrição de passagens e até de plenário
O comando do Conselho de Ética reclama de restrições impostas ao colegiado pela Câmara dos Deputados. As limitações vão desde a falta de plenário para a realização das sessões às negativas de custeio das passagens aéreas para trazer as testemunhas de acusação a Brasília. A cúpula da Casa, conforme o colegiado, também não liberou um consultor técnico para a elaboração de um mandado de segurança contra Cunha a ser ingressado no STF. A Ordem dos Advogados do Brasil, então, ofereceu os trabalhos de um jurista.
Ações no STF para paralisar os trabalhos
Outra frente de atuação para paralisar os trabalhos do Conselho de Ética é a batalha jurídica. A defesa de Eduardo Cunha já ingressou com quatro mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal, incluindo a proposta de impedir o presidente do colegiado, José Carlos Araújo, de votar em casos em empate. Até o momento, todas as liminares foram rejeitadas.
Vice da Câmara limita investigações
Na terceira ação de Waldir Maranhão (PP-MA), o vice-presidente da Câmara determinou a nulidade das documentações solicitadas pelo conselho à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o uso desse material na instrução do processo. Na prática, o posicionamento de Maranhão limita o escopo das investigações e evita que as provas da Operação Lava Jato sejam usadas na ação - o que deve tornar ainda mais difícil a cassação de Cunha.
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