Com
a chegada de período chuvoso, famílias que vivem nas cerca de 600 áreas
de risco de Salvador temem pelo pior. Nove bairros do chamado miolo
concentram 40% dos casos. Previsão de chuvas para este mês já preocupa
É chegado o período do ano em que parte dos
soteropolitanos liga o alerta vermelho para a possibilidade de
deslizamento de terra. O drama, que há dez anos atingia 433 áreas de
risco, segundo levantamento da Defesa Civil (Codesal), à época, hoje
chega a 600 pontos críticos, a maioria deles em uma área que abrange
nove bairros entre a Avenida Paralela e a BR-324. O trecho do miolo de
Salvador concentra mais de 40% das encostas, ocupadas, na maioria dos
casos, por construções irregulares e moradias simples.
Dona Railda não dorme quando chove: faz vigília por Carol e outro filho (Foto: Evandro Veiga)
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A doméstica Railda de Oliveira, 56 anos, vive em uma dessas humildes residências, na Rua Aurizio Fernandes, ao lado da Avenida Gal Costa. “Quando chove forte, nem durmo. Fico acordada para garantir que, se acontecer algo, terei tempo de acordar meus dois filhos e correr”, comenta. Há 20 anos no local, dona Railda aprendeu a lidar com o problema: limpa e tira o lixo que pode se acumular e sabe o momento de deixar a casa e buscar novo abrigo.
A atuação do poder público em obras e ações de prevenção contra os deslizamentos é baseada no Plano Diretor de Encostas (PDE), documento de 2004, que lista as outrora 433 áreas de risco. Segundo o geólogo José Carlos Fernandes, membro do corpo técnico da Superintendência de Obras Públicas (Sucop), quatro em cada dez dessas áreas estão nos bairros de Caixa D’Água, Castelo Branco, Fazenda Grande do Retiro, Jardim Cajazeiras, Pau da Lima, Pernambués, São Caetano, São Marcos e Tancredo Neves.
Altitude
Fernandes explica que embora as principais regiões consideradas zonas de riscos sejam as mesmas de maior altitudes da cidade, não está somente no terreno a causa do problema, mas nos “cortes” feitos em encostas para que sejam erguidas as casas, o que desestabiliza os morros. “Áreas onde funcionavam antigas pedreiras, como na comunidade de Santa Luzia (Lobato), também seriam áreas de risco, mas têm seguido uma lógica de ocupação dos espaços vagos com áreas de lazer, o que impede o crescimento desordenado”, explica.
O diretor da Codesal, Álvaro da Silveira Filho, reitera que as ocupações desordenadas são as principais responsáveis pela defasagem do PDE, que ampliou o número de pontos críticos, apesar das obras de recuperação de encostas.
Para ele, a maior parte desse crescimento desordenado ocorreu em áreas que já estavam listadas no plano de 2004, como na região da Avenida Suburbana e no bairro de Águas Claras. “Mais de 70% dos imóveis de Salvador são construídos sem planejamento”, estima. O Ministério Público Estadual (MP-BA) planeja discutir uma atualização do PDE (ver página ao lado).
PREVISÃO De acordo com o chefe da seção de previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em Recife, Ednaldo Araújo, historicamente o trimestre de março a maio é o responsável pela maior concentração de chuvas na capital baiana. “Estamos entrando no período em que temos mais chuvas em Salvador, mas não é possível confirmar se de fato vai chover em grande quantidade. Nos últimos meses, as chuvas têm ocorrido bem abaixo da média histórica para cada mês”.
A média histórica de chuvas em janeiro é de 110,9 mm, mas este ano só choveu 51,3 mm. Fevereiro também manteve-se abaixo da média, que é de 121 mm (choveu 89,6 mm). Neste mês, a expectativa de chuva é de 144 mm, e os meses de abril e maio reservam, pela média histórica, mais de 320 mm de chuva.
“Em Salvador, a situação começa a ser preocupante acima dos 300 mm, a partir de abril, em maio e um pouco menos em junho, quando a média ainda é alta, de 251 mm”, diz o meteorologista.
Entre os cuidados para evitar o agravamento do problema está a limpeza das áreas. “O acúmulo de resíduos sólidos empurra a matéria orgânica e pode causar graves deslizamentos”, explica Álvaro da Silveira Filho, da Codesal.
Roqueline observa encosta que cedeu há três anos: gastou R$ 1 mil para construir muro paliativo e usa lona (Foto: Robson Mendes)
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Plantas
Algumas plantações também devem ser evitadas, como o capim colonial e as bananeiras. “Elas acabam não facilitando o escoamento da água e há deslizamento”, adverte Fernandes. Na casa da aposentada Júlia Nascimento, 78, havia bananeiras quando, há dois anos, a terra cedeu e encobriu o acesso ao cômodo do fundo, onde fica a cozinha da sua casa, em São Marcos.
Algumas plantações também devem ser evitadas, como o capim colonial e as bananeiras. “Elas acabam não facilitando o escoamento da água e há deslizamento”, adverte Fernandes. Na casa da aposentada Júlia Nascimento, 78, havia bananeiras quando, há dois anos, a terra cedeu e encobriu o acesso ao cômodo do fundo, onde fica a cozinha da sua casa, em São Marcos.
“Desceu as bananeiras e a tubulação de esgoto,
invadiu tudo. Depois disso, toda vez que chove, ela se muda para o andar
de cima”, comenta o pintor Welligton Nascimento Secum, 47, filho de
dona Júlia.Já o problema de Ana Lúcia da Silva, 51, que mora na Rua
Ivanildo Queirós Brito, no bairro de Tancredo Neves, é a vizinhança -
além da encosta que sobe desde sua casa.
“Quando você mora embaixo, os vizinhos não ajudam e
jogam lixo. Minha filha já pagou para limpar, mas logo está sujo
novamente”, lamenta. Também vizinha de uma encosta, esta na Rua
Guilherme Santos, em Sussuarana, a manicure Roquelina de Souza Silva,
39, é outra que está apreensiva com a chegada das águas de março.
Há três anos, o barranco desmoronou, fechando,
inclusive, a passagem para sua casa. Desde então, aguarda uma contenção
prometida pela prefeitura e recebe com frequência uma lona preta para
evitar que a chuva consiga infiltrar na elevação.
“Nos cadastraram e hoje a gente sempre pode receber
a lona. Dá uma segurança maior e a gente fica mais tranquilo”, conta
Roquelina. Ela gastou R$ 1 mil para improvisar uma contenção em seu
terreno, com blocos de cerâmica.
Embora, no caso de Roquelina, a lona já funcione
como uma medida paliativa, o engenheiro e professor da Escola
Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Luis Edmundo Campos
adverte para os perigos desse tipo de construção. “Esse muros não têm
efeito para estabilização da encosta. Acontece que as pessoas se sentem
seguras e isso acaba sendo um risco maior, quando estão com medo ficam
mais atentas”, aponta.
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